CULTURA
SEGUNDA-FEIRA, 23 JUL 2001
Crítica
Música
Sally
pimenta em prato frio
Sally Nyolo
Festival Sete Sóis Sete Luas
Fábrica da Pólvora, Barcarena
21 de Julho, 21h30
Lotação a um terço
Sally Nyolo. Sally Pimenta. Sal e Pimenta. Temperos
e especiarias não faltaram na apresentação da cantora camaronense Sally Nyolo,
sábado, no anfiteatro da Fábrica da Pólvora, em Barcarena.
Mas por mais
picante e salgada que tenha sido a música desta artista, cujo prestígio no
panorama atual da world music não tem parado de crescer, não foi sufi ciente
para fazer esquecer o frio que enregelou a noite e levou grande parte da
assistência a abandonar o local antes de o concerto terminar. A hora adiantada
em que o mesmo teve início também não ajudou. Estava marcado para as 21h30,
começou uma hora mais tarde.
Caminhava-se
então já para as onze da noite quando Sally Nyolo e o seu grupo, constituído
por um guitarrista, um baixista, um baterista e duas bailarinas/vocalistas,
ocuparam finalmente o palco, sendo de imediato fustigados pelas fortes rajadas de
vento e pelo frio que se faziam sentir. Os lenços e vestuário esvoaçantes que os
três elementos femininos do grupo traziam vestidos enfunaram-se, quais velas
coloridas de uma nau em luta contra a tempestade. O público resistiu estoicamente
enquanto pôde, tentando aquecer-se ao som do apanhado funky de música tradicional
dos Camarões que Sally Nyolo trouxe a Portugal, num par de concertos (o outro
decorreu ontem, em Odemira) com a chancela do festival Sete Sóis Sete Luas.
Sally e as
suas duas companheiras apresentaram-se vestidas com trajes étnicos, ajudando a
ilustrar visualmente as várias histórias contadas e cantadas no canto
“bikutsi”, modalidade destinada a aliviar a dor das mulheres “beti” da floresta
camaronense. Espécie de narrativa em movimento, umas vezes cantada, outras declamada,
que passou em revista rituais, lendas, danças e canções de embalar.
Noutras
condições atmosféricas e em ambiente mais acolhedor, este espetáculo de música,
cor e coreografia teria encontrado outro eco e provocado o entusiasmo do
público. As batidas e a pujança de um baixo entre o funk e o tribal, uma
guitarra planante mas a revelar sinais de timidez e, sobretudo, as harmonias vocais
criadas pelas três vozes femininas, por mais do que uma vez a recordar as
intrincadas combinações das Zap Mama (grupo ao qual Sally já pertenceu), convidariam,
noutras circunstâncias, à dança e à participação. Sally cantou com chama,
calorosa quanto o tempo o permitiu, tocou percussões e harmónica, mas tudo soou
como uma lembrança vaga e ao longe, da selva, da floresta, dos trópicos, do
Verão. Perante alguma indiferença do público, que progressivamente foi abandonando
o recinto, vergado pela inclemência do frio e pelo adiantado da hora. Foi pena.
Ver um prato de comida quente ser servido frio.
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