CULTURA
SEXTA-FEIRA, 6 ABR 2001
Kontradanças intercélticas a
partir de hoje no Porto
JOÃO AFONSO ABRE FESTIVAL
Punkwhiskyfolk, Muzsikas com Oyster Band, Balanescu e Susana, a
bela gaiteira, iluminam as “Noites Celtas”. A dança vai de roda. Vai uma rodada?
"Quando me desloquei, pela primeira vez, a uma
aldeia, senti-me como se estivesse no tempo dos meus avós. Quando nos
aproximamos da aldeia, a primeira coisa que se começa a ouvir é o baixo. E à
medida que nos vamos aproximando cada vez mais, ouvimos então o ‘kontra’ a ser
tocado algures. E, quando passamos a porta, surge uma música completa, que as
pessoas dançam durante toda a noite". Quem o diz é Peter Eri, músico
urbano do grupo de música tradicional húngara Muzsikas que este ano regressa ao
Porto, depois de uma anterior passagem pelo Intercéltico.
O
"kontra" é um violino cigano, de três cordas. Este ano, e também pela
primeira vez, o festival de música tradicional que antes se chamava
"Intercéltico" passou a chamar-se "Noites Celtas" e faz
parte do Porto-2001 – Capital Europeia da Cultura. É o festival do
"kontra". Culturporto, nova entidade organizativa, kontra MC-Mundo da
Canção, que durante as 10 das 11 edições anteriores assegurou a organização do
certame. Em combates deste tipo não há vencedores nem vencidos. Nem as
entidades em confronto saíram vencedoras ou vencidas (a edilidade portuense
ganhou poder, protagonismo e um festival, a MC promete já novo Intercéltico
para o próximo ano) nem – e isso é o mais importante – o público saiu derrotado.
Desapareceu o símbolo que há uma década, Tentúgal, dos Vai de Roda, idealizou
para o Intercéltico. Mas os sons célticos permanecem. No seu formato de sempre,
ao longo de um fim-de-semana que hoje tem início, com concertos duplos diários.
Espera-se que as "boas vibrações" também.
Mas
regressemos à Hungria, com desvio para o Porto. Depois de abandonarmos a
ancestral aldeia da Transilvânia que Peter Eri nos descreve, aproximemo-nos da
porta de entrada do Coliseu do Porto, onde decorrerá o festival. Já lá dentro,
o primeiro som que ouviremos não será nem do baixo, nem do "kontra",
mas a voz de João Afonso, a quem cabe a honra de abrir o festival. Vem
apresentar canções dos seus álbuns "Missangas" e "Barco
Voador" no tom poético e suave que o caracteriza. Acompanhado por uma
banda de quatro elementos de onde se destaca Moz Carrapa, na guitarra.
Balanescu com Muzsikas
A seguir, os Muzsikas trazem a música dos Balcãs. A
tradicional, mas também releituras de Bela Bartók e Zoltan Kodaly. Marta
Sebestyen, cantora há muito associada ao grupo, não estará presente desta vez,
vindo em seu lugar o violinista Alexander Balanescu, líder e solista do
quarteto de câmara com o seu nome, repetindo uma colaboração encetada há dois
anos no álbum "The Bartók Album". É caso para dizer, quem tem
Balanescu, não tem medo. A formação dos Muzsikas que hoje atua no Coliseu do
Porto, não inclui nenhum "kontra", mas em kontrapartida não faltarão
os violinos (três), a viola de arco, o "gardon", o
"cimbalom", flauta, guitarra, baixo e percussão. E dois bailarinos.
Amanhã,
sábado, o consumo de álcool deverá aumentar. Pelo menos da parte dos músicos.
Sobretudo dos músicos ingleses da Oyster Band, formação pioneira do movimento
punk rock dos anos 80. Curiosamente, os Oyster Band tiveram a sua génese numa
banda ceilidh e nos menosprezados Fiddler's Dram, mantendo inclusive ligações
com os Fairport Convention e Albion Band, através da vocalista Cathy Surf. A
partir de 1986, porém, o whisky, a cerveja e a farra falaram mais alto e os Oyster
Band tornaram-se numa banda de folkpunk 'n' roll.
June
Tabor, diva da tradição, gostou. Gostou tanto que até se vestiu de cabedal para
gravar com eles o álbum "Freedom and Rain". Do currículo dos Oyster
Band constam igualmente uma canção dos New Order ("Love vigilantes")
e álbuns para abanar o capacete como "Deserters". Como diz John
Jones, vocalista e acordeonista do grupo, os Oyster Band não andam por aí
"com símbolos pendurados ao pescoço". Mas se aparecer uma garrafa, o
caso já muda de figura. O Coliseu poderá transformar-se num imenso pub.
Mas
tenham calma que antes deles atuará uma senhora, melhor uma jovem, da Galiza,
por quem os mais velhos nutrem já um grande respeito. Chama-se Susana Seivane,
toca – para escândalo de alguns puristas mais fanáticos – gaita-de-foles, de
forma superlativa (experimentem ouvir o disco de estreia), e a sua música é das
mais belas e joviais que se pode escutar hoje no encaixe céltico da Península
Ibérica. Atenção, que Susana provém de uma música de conceituados construtores,
aprendeu com Ricardo Portela e Bieito Romero, dos Luar na Lubre, e foi
convidada por Rodrigo Romani para tocar com os Milladoiro. A bela Susana
(porque o é, de facto) andou o ano passado em digressão por Portugal mas este
será, sem dúvida, o concerto da consagração.
Punk folk depois da ressaca
No Domingo, a fechar o festival, haverá mais libações,
pelos The Men They Coudn't Hang, outra das bandas que fizeram do punk folk uma
missão, reaparecidos desde 1986 e, em princípio, recuperados da ressaca. Álbuns
como "Night of a Thousand Candles", "How Green is the
valley" e "Waiting for Bonaparte" soam agradavelmente folky, com
aquela dose extra de energia que a fermentação e destilação da levedura de
cevada sempre proporciona.
Na
primeira parte haverá sonoridades mais compostas para saborear. Antes dos
homens que ninguém consegue enforcar, atuam na primeira parte os italianos
Tendachënt, trazendo encantada numa sanfona a beleza céltica e mediterrânica do
Piemonte. O homem da sanfona é Maurizio Martinotti, um dos líderes daquela que
foi uma das mais importantes bandas folk europeias dos anos 90, os La Ciapa
Rusa. O nome do grupo, Tendachënt, vem, aliás, do título do disco da obra-prima
de estreia dos La Ciapa Rusa, "Ten da Chént l'Archet Che la Sunada lé Longa".
Não pode haver melhor garantia de qualidade.
Uma
chamada de atenção final para um dos dois grupos portugueses que irão animar as
madrugadas no Café-Concerto do Teatro Municipal Rivoli: os Folquest. Já os
ouvi. Marco Fonseca, no violino, e Bruno Fonseca, nos "whistles", são
dos poucos músicos portugueses que conheço que conseguem apanhar o swing dos
reels e jigs irlandeses como deve ser. Atuam nas madrugadas dos dias 5 e 6. A 7
e 8 o palco está reservado para O Bando do Rei Pescador. Passem bem as noites e
não sejam do "kontra".
Sem comentários:
Enviar um comentário