22/11/2016

Noite de transe no Cais do Gás

CULTURA
QUINTA-FEIRA, 21 JUN 2001

Crítica Música

Noite de transe no Cais do Gás

Istanbul Oriental Ensemble + Cheikha Rimitti
Lisboa, Cais do Gás
18 de Junho, 22h
Recinto praticamente cheio (cerca de 1500 pessoas)

Já parece um festival de world music, estilo WOMAD, o recém-criado Multimúsicas. Ao cabo de três edições, o evento, organizado pela Câmara Municipal de Lisboa no âmbito das festas da cidade, alargou este ano as suas instalações, transitando da acanhada Praça de S. Paulo, para o enorme Cais do Gás, rasgado junto ao rio. O palco também é maior, permitindo agora a arrumação de grupos com mais de três elementos, sem o perigo de queda de algum deles. Tudo mudou de escala, enfim.
Ao aumento de espaço correspondeu um aumento de público. Pelo menos foi isso que aconteceu na noite da passada segunda-feira com cerca de 1500 pessoas vindas para ouvir a música dos turcos Istanbul Oriental Ensemble e da cantora de raï argelina, Cheikha Rimitti. A noite estava quente e não faltavam bares montados ao redor do recinto o que também terá contribuído para fazer subir os índices de entusiasmo de uma jornada que, em termos exclusivamente artísticos, terá ficado aquém das expetativas.
Os Istanbul Oriental Ensemble são uma formação clássica de músicos ciganos que interpretam, de forma não menos clássica, a herança deste povo, dos séculos XVIII e XIX, de Istambul e da Trácia. Excelentes executantes, de audição indispensável em álbuns como “Gypsy Rum” ou “Sultan’s Secret Door”, desiludiram porventura por terem sido exatamente aquilo que são, apresentando-se diante de uma plateia ávida de excitação com uma música e uma pose de concertistas compenetrados.
Entre tanto classicismo, sobressaiu o percussionista, autor de um solo arrebatador de precisão, complexidade e agilidade de dedos. Mas o ensemble mandava e, até final, o Cais do Gás fez figura de auditório erudito.
Cheikha Rimitti, pelo contrário, é avessa a grandes complexidades e a arranjos sofisticados. Ela e a sua banda entraram de rompante numa batida etno-transe e por lá permaneceram durante perto de duas horas, sem desfalecimentos, pese embora o facto da cantora já ter ultrapassado as 78 primaveras. Bateria, baixo elétrico e teclados armaram uma rede rítmica e tímbrica de extrema simplicidade mas cuja eficácia a despoletar a veia dançante da assistência não pode ser posta em causa. Cheikha, de vestido branco e tiara a envolver a longa cabeleira negra, cantou de princípio ao fim no mesmo registo monocórdico, intercalando as melodias com uma espécie de gritos de incitamento, sobre a batida inflexível.
Primeiro os pés a baterem o compasso, a seguir a cabeça a balançar, finalmente o corpo todo entregue à dança, exemplificaram a adesão do público a uma música que faz da hipnose regra, não surpreendendo que um guitarrista adepto das técnicas do tantrismo como Robert Fripp experimentasse ele próprio as virtudes do transe através da sua participação num dos álbuns da cantora argelina, “Sidi Mansour”, cujo título-tema passou pelo Cais do Gás. Havia ainda um flautista com indumentária berbere e foi através dele que soprou o vento do deserto.
Ou, como alguém comentava à saída, “uma flauta com uma onda bué de boa”.

O melhor: o bom ambiente geral do concerto, potenciado pela música de Cheikha Rimitti, a transformar o Cais do Gás em discoteca.

O pior: A atuação demasiado morna dos Istanbul Oriental Ensemble.

Sem comentários: