CULTURA
QUINTA-FEIRA, 21 JUN 2001
Crítica
Música
Noite de
transe no Cais do Gás
Istanbul
Oriental Ensemble + Cheikha Rimitti
Lisboa, Cais do Gás
18 de Junho, 22h
Recinto praticamente cheio (cerca de 1500 pessoas)
Já parece um festival de world music, estilo
WOMAD, o recém-criado Multimúsicas. Ao cabo de três edições, o evento, organizado
pela Câmara Municipal de Lisboa no âmbito das festas da cidade, alargou este
ano as suas instalações, transitando da acanhada Praça de S. Paulo, para o enorme
Cais do Gás, rasgado junto ao rio. O palco também é maior, permitindo agora a arrumação
de grupos com mais de três elementos, sem o perigo de queda de algum deles.
Tudo mudou de escala, enfim.
Ao aumento
de espaço correspondeu um aumento de público. Pelo menos foi isso que aconteceu
na noite da passada segunda-feira com cerca de 1500 pessoas vindas para ouvir a
música dos turcos Istanbul Oriental Ensemble e da cantora de raï argelina, Cheikha
Rimitti. A noite estava quente e não faltavam bares montados ao redor do recinto
o que também terá contribuído para fazer subir os índices de entusiasmo de uma
jornada que, em termos exclusivamente artísticos, terá ficado aquém das expetativas.
Os Istanbul
Oriental Ensemble são uma formação clássica de músicos ciganos que interpretam,
de forma não menos clássica, a herança deste povo, dos séculos XVIII e XIX, de
Istambul e da Trácia. Excelentes executantes, de audição indispensável em
álbuns como “Gypsy Rum” ou “Sultan’s Secret Door”, desiludiram porventura por
terem sido exatamente aquilo que são, apresentando-se diante de uma plateia
ávida de excitação com uma música e uma pose de concertistas compenetrados.
Entre tanto
classicismo, sobressaiu o percussionista, autor de um solo arrebatador de
precisão, complexidade e agilidade de dedos. Mas o ensemble mandava e, até final,
o Cais do Gás fez figura de auditório erudito.
Cheikha
Rimitti, pelo contrário, é avessa a grandes complexidades e a arranjos sofisticados.
Ela e a sua banda entraram de rompante numa batida etno-transe e por lá
permaneceram durante perto de duas horas, sem desfalecimentos, pese embora o
facto da cantora já ter ultrapassado as 78 primaveras. Bateria, baixo elétrico
e teclados armaram uma rede rítmica e tímbrica de extrema simplicidade mas cuja
eficácia a despoletar a veia dançante da assistência não pode ser posta em
causa. Cheikha, de vestido branco e tiara a envolver a longa cabeleira negra,
cantou de princípio ao fim no mesmo registo monocórdico, intercalando as
melodias com uma espécie de gritos de incitamento, sobre a batida inflexível.
Primeiro os
pés a baterem o compasso, a seguir a cabeça a balançar, finalmente o corpo todo
entregue à dança, exemplificaram a adesão do público a uma música que faz da
hipnose regra, não surpreendendo que um guitarrista adepto das técnicas do
tantrismo como Robert Fripp experimentasse ele próprio as virtudes do transe através
da sua participação num dos álbuns da cantora argelina, “Sidi Mansour”, cujo
título-tema passou pelo Cais do Gás. Havia ainda um flautista com indumentária
berbere e foi através dele que soprou o vento do deserto.
Ou, como
alguém comentava à saída, “uma flauta com uma onda bué de boa”.
O melhor: o bom ambiente geral do concerto,
potenciado pela música de Cheikha Rimitti, a transformar o Cais do Gás em
discoteca.
O pior: A atuação demasiado morna dos
Istanbul Oriental Ensemble.
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