CULTURA
SEXTA-FEIRA, 1 JUN 2001
Paredes de
jóia
PEDRO JÓIA INTERPRETA CARLOS PAREDES
Novo disco, “Variações sobre Carlos Paredes”, é
apresentado esta noite no CCB
Paredes é um lugar
vasto rodeado de paredes. No interior desse reduto solitário habita um génio. A
guitarra de Paredes é um mundo à parte na música portuguesa. Foi nesse mundo
que Pedro Jóia, 31 anos, decidiu entrar por sua conta e risco, a par da
necessária paixão, editando um álbum, "Variações sobre Carlos
Paredes", inteiramente preenchido por versões de temas do mestre, que hoje
será apresentado ao vivo, às 21h30, no Grande Auditório do Centro Cultural de
Belém (CCB).
Pedro Jóia criou raízes no flamenco.
Mas o flamenco é linguagem partilhada por muitos. E Paredes é só Paredes.
"É preciso recuar até Coimbra, à balada de Coimbra", explica Pedro
Jóia, "a origem disto tudo, a matriz, na qual Paredes se evidenciou,
criando dentro dela uma linguagem pessoalíssima". "Mas o Paco de
Lucia também criou uma linguagem pessoal...", lembra o guitarrista,
procurando uma ponte, um laço, uma porta comum. Admite, todavia, uma diferença:
"Paco de Lucia teve imensos seguidores, o Paredes não". A atitude de Pedro Jóia não é a de um
seguidor, mas a de um estudioso que se deixou fascinar.
Não foi fácil deslocar temas como
"Movimento perpétuo" ou "Verdes anos" da guitarra
portuguesa para a guitarra clássica. "São transcrições para um instrumento
tão diferente como é o meu que, como tal, não podiam ser feitas muito à letra,
nota a nota. Algumas revelaram-se mesmo impossíveis, como 'Mudar de vida', pelo
seu timbre e pela reverberação natural que a guitarra de Paredes possuía.
Partindo deste pressuposto, peguei nesta matéria-prima, procurando ser-lhe o
mais fiel possível em termos formais. Em termos de conteúdo, porém, era impossível
fazer como Paredes...".
Tratou-se, em suma, de uma
"descodificação", da procura e do achado de pormenores,
"harpejos", "tessituras", "linhas melódicas do baixo
do Fernando Alvim", "pequenas nuances" que Pedro Jóia manteve,
alterou ou obliterou, segundo uma "construção vertical e não horizontal,
pedaço a pedaço", da música de Carlos Paredes e do indispensável
acompanhamento de Fernando Alvim. "A revisão possível à qual faltava dar
vida".
De Pedro Jóia ficou impressa na
música de Paredes "a marca" da sua guitarra. As emoções nasceram da
memória. "Perguntei-me: O que é que evoca em mim a música de Paredes? Do
que é que me lembro quando o conheci e falei com ele?". Pedro Jóia recua
no tempo. "Era miúdo. No período do pós-25 de Abril havia um programa na
televisão, de educação, cujo genérico era um tema do Paredes, a 'Canção do
amanhecer'. Foi o primeiro contacto que tive, nem sequer sabia quem ele era...
Aos poucos, aquele som foi entrando, através da rádio, de discos que o meu pai
tinha, o universo do Paredes foi-se construindo na minha cabeça. Conheci-o
pessoalmente em 1991, quando fiz a primeira parte de um concerto seu, nas
ruínas do Convento do Carmo. A partir desse dia, ao vê-lo tocar ali tão perto,
de ter falado com ele, tomei consciência de que era um guitarrista de peso, um
Mozart do séc. XX, um músico que daqui a 100 anos continuará a ser
reconhecido".
"Variações sobre Carlos
Paredes" é a homenagem de um discípulo ao mestre. "Outros músicos já
o interpretaram, como Ricardo Rocha, Mário Laginha ou Pedro Caldeira Cabral, eu
procurei fazê-lo à minha maneira". Para tal, Pedro Jóia serviu-se de uma
guitarra clássica e de um trio de cordas (violino, viola e violoncelo).
"Achei que consegui encontrar um som – contrapontos, jogos rítmicos e de
intensidade – que me permitiu interpretar Paredes de uma forma original".
Depois do flamenco e da música do
autor de "Verdes anos", o próximo passo de Pedro Jóia, de quem também
foi recentemente editado o álbum "Maktoub", com o grupo Ciganos de
Ouro, poderá ser a fusão da guitarra clássica com uma orquestra, sonho há muito
acalentado.
Pedro Jóia
LISBOA Grande
Auditório do Centro Cultural de Belém.
Tel. 213612400. Às
21h30
Bilhetes entre
1500$00 e 3000$00
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