01/11/2016

O trompete-testemunha de Dave Douglas em Loulé

CULTURA
QUINTA-FEIRA, 25 JUL 2002

O trompete-testemunha de Dave Douglas em Loulé


No jazz, há trompetes mais aventureiros do que outros. O de Dave Douglas — que no próximo sábado actua com o seu quinteto em Loulé, no âmbito do 8º Festival Internacional de Jazz desta cidade —, como os de Miles Davis, Freddie Hubbard, Don Cherry, Lester Bowie, Jon Hassell ou Tomasz Stanko, é um deles.
            “Sideman” em trabalhos discográficos de personalidades ilustres como Han Bennink, John Zorn, Don Byron, Uri Caine, Myra Melford, Mark Dresser, Joe Lovano, Misha Mengelberg e Anthony Braxton, entre outros, ativista na banda de improvisação anarquizante e computorizada, Doctor Nerve, citando como influências Igor Stravinski, John Coltrane e Stevie Wonder, Dave Douglas emancipou-se rapidamente, partindo para uma posição de destaque, enquanto autor e solista no trompete.
            Para este nativo do New Jersey cuja estreia a solo, “Parallel Worlds” (1993) foi carimbado com o selo Blue Note, o jazz é matéria suficientemente elástica para permitir ramificações até às zonas limítrofes do funk, da fusão, da estética R.I.O. (“Rock in Opposition”, movimento musical e político formado nos anos 70 por um núcleo de bandas do continente europeu) dos Doctor Nerve, do “noise jazz” dos Masada, de John Zorn, do experimentalismo mais liberto de rótulos.
            Em quarteto, sexteto (formato de registo dos magníficos “In our Lifetime” e “Stargazer), ensemble de cordas (“Five” e “Convergence”), ou no formato Tiny Bell Trio (com Brad Shepik, na guitarra, e Jim Black, na bateria: quatro álbuns de concisão sem mácula) Douglas impressiona pela forma como consegue manter unos e intactos mundos onde a confluência de estilos chega a ser estonteante. O mesmo acontece numa das suas obras mais recentes, “Witness”, onde a queimadela funky, o jazz de câmara e as divagações solitárias dos diversos instrumentistas (Mark Feldman, no violino, Drew Gress, no baixo, Ikue Mori, na percussão electrónica...) ajudam à construção de um formidável edifício, cujo eclectismo explode no longo e mais programático tema do álbum, “Mahfouz” — 23 minutos de ideias jorrando em catadupla, entre o complexo bairro tímbrico de uma big band, o vórtice Zorniano de “The Big Gundown” e “Spillane”, e fotogramas de “filme negro” cujo argumento vocal está entregue a... Tom Waits.
            O novo disco, “The Infinite”, editado já este ano e, como “Witness”, com distribuição BMG, é jazz mais confortavelmente jazz. O que significa que o prazer auditivo é de outra ordem. O trompete soa mais quente e temperado, há lagos de piano eléctrico Fender Rhodes tão cristalinos e aquáticos como um vibrafone, há o sax e o clarinete baixo em equilíbrio no tempo de Chris Potter, o piano de mármore de Uri Caine. “Witness” é um palácio de contrastes, mobilado com jogos e pesadelos, para visitar por dentro, a brincar às descobertas e aos encontrões. “The Infinite” é o que o título diz: uma música que se dilata como uma nuvem até se dissolver no azul. Aqui, a tradição ainda conta. Duas das muitas chaves de um trompete sem fronteiras.

DAVE DOUGLAS QUINTET
(8º Festival Internacional de Jazz de Loulé)
LOULÉ Cerca do Convento do Espírito Santo
Às 22h. Tel. 289415860.
Bilhetes a 10 euros.

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