CULTURA
QUINTA-FEIRA, 25 JUL 2002
O
trompete-testemunha de Dave Douglas em Loulé
No jazz, há trompetes mais aventureiros do que outros. O
de Dave Douglas — que no próximo sábado actua com o seu quinteto em Loulé, no
âmbito do 8º Festival Internacional de Jazz desta cidade —, como os de Miles
Davis, Freddie Hubbard, Don Cherry, Lester
Bowie, Jon Hassell ou Tomasz Stanko, é um
deles.
“Sideman”
em trabalhos discográficos de personalidades ilustres como Han Bennink, John Zorn, Don Byron, Uri
Caine, Myra Melford, Mark Dresser, Joe Lovano, Misha Mengelberg e Anthony Braxton, entre outros, ativista na banda de improvisação
anarquizante e computorizada, Doctor Nerve, citando como influências Igor
Stravinski, John Coltrane e Stevie Wonder, Dave Douglas emancipou-se
rapidamente, partindo para uma posição de destaque, enquanto autor e solista no
trompete.
Para
este nativo do New Jersey cuja estreia a solo, “Parallel Worlds” (1993) foi
carimbado com o selo Blue Note, o jazz é matéria suficientemente elástica para
permitir ramificações até às zonas limítrofes do funk, da fusão, da estética R.I.O. (“Rock in Opposition”, movimento musical e político formado nos anos 70 por um
núcleo de bandas do continente europeu) dos Doctor Nerve, do “noise jazz” dos
Masada, de John Zorn, do experimentalismo mais liberto de rótulos.
Em
quarteto, sexteto (formato de registo dos magníficos “In our Lifetime” e
“Stargazer), ensemble de cordas (“Five” e “Convergence”), ou no formato Tiny Bell Trio (com Brad Shepik, na guitarra, e Jim Black, na bateria: quatro álbuns de concisão
sem mácula) Douglas impressiona pela forma como consegue manter unos e intactos
mundos onde a confluência de estilos chega a ser estonteante. O mesmo acontece
numa das suas obras mais recentes, “Witness”, onde a queimadela funky, o jazz
de câmara e as divagações solitárias dos diversos instrumentistas (Mark Feldman,
no violino, Drew Gress, no baixo, Ikue Mori, na percussão electrónica...)
ajudam à construção de um formidável edifício, cujo eclectismo explode no longo
e mais programático tema do álbum, “Mahfouz” — 23 minutos de ideias jorrando em
catadupla, entre o complexo bairro tímbrico de uma big band, o vórtice Zorniano
de “The Big Gundown” e “Spillane”, e fotogramas de “filme negro” cujo argumento
vocal está entregue a... Tom Waits.
O novo
disco, “The Infinite”, editado já este ano e, como “Witness”, com distribuição BMG,
é jazz mais confortavelmente jazz. O que significa que o prazer auditivo é de
outra ordem. O trompete soa mais quente e temperado, há lagos de piano
eléctrico Fender Rhodes tão cristalinos e aquáticos como um vibrafone, há o sax
e o clarinete baixo em equilíbrio no tempo de Chris Potter, o piano de mármore de
Uri Caine. “Witness” é um palácio de contrastes, mobilado com jogos e pesadelos,
para visitar por dentro, a brincar às descobertas e aos encontrões. “The
Infinite” é o que o título diz: uma música que se dilata como uma nuvem até se
dissolver no azul. Aqui, a tradição ainda conta. Duas das muitas chaves de um
trompete sem fronteiras.
DAVE
DOUGLAS QUINTET
(8º Festival Internacional de Jazz de Loulé)
LOULÉ Cerca do Convento do Espírito Santo
Às 22h. Tel. 289415860.
Bilhetes a 10 euros.
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