CULTURA
QUARTA-FEIRA,
4 ABR 2001
Amélia Muge ao vivo e a monte
Três noites de concerto em Almada para apresentar novo reportório,
de canções e versos cúmplices
Amélia Muge,
a foragida? A forasteira? A criminosa? A inadaptada? A incompreensível? Não é ela,
são as vozes. Amélia Muge não está louca. São as vozes que andam a monte. Como
a dela. Ou “As vozes a monte”, genérico do seu novo espetáculo a apresentar hoje,
quinta e sexta no Fórum Romeu Correia, em Almada. Ela pergunta: “Que vozes são
essas que nos seduzem, nos assustam e conseguem fazer-nos sentir que, quanto mais
nos aproximamos delas, mais elas nos escapam?” “Chamar essas vozes que andam a
monte” será o objetivo destas três noites em que, “foragidas”, “forasteiras”,
“criminosas”, “inadaptadas” ou “incompreensíveis”, ganharão vida na voz de
Amélia Muge, também ela a monte. Não Marisa Monte, mas Amélia Monte. “Cruzar, à
minha maneira, o que vivo, sinto, vejo e ouço delas”, diz a compositora e
cantora de “Taco-a-Taco” que recentemente produziu “Esta Voz que me Atravessa”,
um álbum de fados na voz de Mafalda Arnauth…
De quem são, de onde vêm, o que
querem estas vozes? Pertencem a gente morta e a gente viva. Mas mesmo as dos
mortos permanecem vivas nas palavras. Ou nos sons. “Trazidas no alforge da página
do livro, no cantil do disco ou no farnel das imagens...”.
Carlos Drummond de Andrade, Cramol,
Fausto, Fernando Lopes Graça, Fernando Pessoa, Gaiteiros de Lisboa, Grabato
Dias, Hélia Correia, José Afonso, José Eduardo Agualusa, José Mário Branco, José
Saramago, Laurie Anderson, Mário Cesariny, Mário Viegas, Mia Couto, Natália
Correia, Rui Júnior e O Ó Que Som Tem, Sérgio Godinho e Sophia de Mello Breyner
são as vozes a monte que Amélia Muge saberá fazer falar à sua maneira. “Sem
preocupações de perceber onde acaba o artístico e começa o tecnológico, sem preocupações
de sinalizar heranças culturais ou de carimbar o que é popular ou não”.
Ao lado de Amélia Muge estarão José
Martins, seu companheiro de longa data, em instrumentos de corda e percussões, José
Manuel David, dos Gaiteiros de Lisboa, em instrumentos de sopro variados e
gaita-de-foles, e Catarina Anacleto, no violoncelo. Serão feitas projeções em
ecrãs “não convencionais” e escutados “registos sonoros variados” pré-gravados.
No dicionário pessoal de Amélia Muge
lê-se que andar a monte pressupõe a contradição que é a designação de um lugar
impreciso, um lugar de andares”. O lugar: Almada. Alma da voz. A de Amélia Muge
anda para cima e tem muitos andares. Um arranha-céus. Mais alto ainda, no alto de
um monte.
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