CULTURA
QUINTA-FEIRA, 12 ABR 2001
Crítica
Música
Uma
borboleta na catedral
Rodrigo Leão + Danças Ocultas
Aula Magna,
Lisboa.
10 de Abril,
22h.
Lotação
esgotada
Houve quem achasse lindo, belo, divinal.
Tanta lindeza,
beleza e divindade juntas chegaram e sobraram para encher, terça à noite, a
Aula Magna, em Lisboa. Mas angelical só a cantora Ângela Silva, a única com asas.
Rodrigo Leão e a sua banda estavam lá para rezar.
A abrir,
Artur Fernandes e as suas Danças Ocultas vieram de Águeda para encher e esvaziar
os foles das suas concertinas numa música carregada de citações à valsa musette
em registo intelectualizado de música de câmara. Ao contrário de velocistas como
Kepa Junkera ou Riccardo Tesi, Artur Fernandes enfatiza os arranjos para
quarteto, solando sem se impor sobre as restantes concertinas. Fizeram o truque
da respiração sem notas, amplificando o silêncio até o tornar num bafo
asmático. Vinte minutos de memórias soltas, com ecos de Pascal Gaigne, René Aubry,
Roger Eno e tradições a preto e branco, criaram o ambiente ideal para o estendal
de solenidades que viria a seguir.
Rodrigo
Leão, acompanhado por uma banda onde se faziam ouvir sobretudo as cordas mais
baixas, fez seu um lugar que nem pertence à música clássica nem à música pop,
inscrito nas faixas de álbuns como “Ave Mundi Luminare”, “Mysterium”, “Theatrum”
e o novo “Alma Mater”. Servido por uma iluminação eficaz, o espetáculo viveu em
grande parte da voz e da presença magníficas da cantora Ângela Silva. De vermelho
ou de branco, iluminada por feixes de luz psicadélicos, a sua figura angelical
elevou-se em litanias de sabor gótico que ora evocavam os Dead Can Dance ora recuavam
e avançavam em simultâneo no tempo e nas marcações da bateria, como fazem os
tecnomedievalistas QNTAL.
Mas se houve
quem achasse lindo, belo e divinal, também houve quem achasse esta música
chata, morna e sem chama. Digamos que ardeu em lume brando. As Danças Ocultas
foram chamadas de novo para enfolar nas concertinas “Tardes de Bolonha”, tema
composto por Leão há muitos anos para os Madredeus. Rui Reininho veio de camisa
vermelha e ar de cantor de telenovelas mexicanas cantar titubeante, mas com
algum “salero”, “Pasión” (repetiu a dose nos “encores”), que em “Alma Mater” é interpretado
por Lula Pena. Já Sónia Tavares, dos The Gift, em “A casa”, encarregou-se de não
fazer esquecer Adriana Calcanhoto, que dá voz a este tema em “Alma Mater”.
Já na
sequência final, um ensemble de cordas aumentou ainda mais o corpo e a
solenidade da música, apenas quebrada quando a Sónia Tavares se juntou Nuno Gonçalves,
também dos The Gift, para aligeirarem o ambiente com a versão “lounge mix” de
“A casa”. Uma grande ovação (3.500$00 e 4.500$00 o bilhete dão, salvo qualquer
desastre, garantias de “grande ovação”) premiou esta missa, quase toda rezada em
latim, que ainda hesita, como uma borboleta noturna, entre o velório e a lua.
Ângela
Silva, presença mais forte da noite, foi essa borboleta, abrindo e fechando as
asas dos seus vestidos de luz, a voz a voar.
EM RESUMO
A borboleta Ângela Silva, diva luminosa,
insuflou ar e labaredas numa música perdida entre as colunas e os ecos de uma
catedral de sombras
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