22/11/2016

A festa do Gil [João Gil]

 CULTURA
SÁBADO, 23 JUN 2001

Crítica Música


A festa do Gil

João Gil e convidados
LISBOA Grande Auditório do Centro Cultural de Belém
20 e 21 de Julho
Lotação esgotada

O Grande Auditório do Centro Cultural de Belém encheu-se, terça e quarta-feira passadas, na festa do 25.º aniversário de carreira de João Gil, escritor de canções. De entre o desfile de estrelas convidadas sobressaíram três instantes de magia, protagonizados por Jorge Palma, Isabel Silvestre e o próprio João Gil.
Tudo começou com "Saudade", mitigada pelo reencontro dos ex-Trovante Gil, Luís Represas e Manuel Faria. "125 Azul" prolongou a memória do grupo que nos anos 80 ajudou a dignificar a música popular portuguesa. Mas as recordações aos poucos vão abandonando o sótão das sombras do que foi para se iluminarem na luz do que ainda é. "Ficava aqui a noite toda a tocar contigo", lança Luís Represas ao amigo. Despede-se com um "diverte-te!".
João Gil parece estar a divertir-se. Manuel Paulo, da Ala dos Namorados, substitui Faria. Chispam faíscas da azáfama dos músicos, mas Gil refresca os ânimos: "Vamos devagar, vamos com calma, noto uma certa tensão no ar...". Os outros acalmam-se. Paulo Ribeiro entra para cantar "Lua dos Imortais" e "Olhos nos Olhos". Traz consigo algum nervosismo e a primeira canção começa por não lhe sair bem. À segunda, porém, entra no espírito da letra.
As luzes apagam-se. O piano ilumina-se. Jorge Palma chega e ordena: "Senta-te aí". Bluesy. Mas o melhor vem com "Alice". Fabulosa interpretação arrancada do fundo. O homem pode às vezes desafinar, desatinar, desaustinar, mas, caramba, tem os blues dentro de si. "Alice" foi outra Alice. João Gil percebe-o: "A canção é ainda melhor do que eu pensava!".
Camané, o maior fadista masculino da atualidade, tem direito a três canções. Não está inteiramente à vontade, ainda que disponha dos seus músicos habituais. "Travessa" aquece e "Fim", com letra de Mário de Sá-Carneiro, ronda o arrebatamento, mas, a sós com o piano de Manuel Faria, tropeça numa ratoeira do tom armada por um "Perdidamente" mal ensaiado.
Intervalo. Faz-se a contagem de VIP. Catarina Furtado, mulher de João Gil, é quem dá mais nas vistas. Fátima Lopes passa o tempo a controlar com ar sisudo as câmaras da SIC. Nayma, Rita Ferro Rodrigues, Margarida Marinho, Margarida Pinto Correia e Cila do Carmo distribuem "charme".
Mas a ilusão e o espetáculo voltam. Agora ninguém tira o protagonismo à Ala dos Namorados e ao seu vocalista Nuno Guerreiro, que se mostra endiabrado. Canta mais agudo do que nunca, incita os seus camaradas, salta e exibe os bíceps. Depois do "vaudeville" de "Ruas e Praças", "Rua do Gato Preto" dá para um solo impecável ao piano de Manuel Paulo e destaca as pontuações no baixo de Zé Nabo e as marcações rítmicas de Bruno Vaz.
Entra Isabel Silvestre, parecendo deslocada no contexto. Cantora do povo – de Manhouce – para o povo, canta apenas "Ao Sul", na companhia do piano de Manuel Paulo. A sua voz é uma chama trémula e uma lágrima. Arrepios. O contexto adequou-se a ela.
Sara Tavares é o contrário. Extrovertida, swingante e sorridente. "Luar um Dia" sai tórrida. Tanto como o comentário: "Estão aqui os meus namorados!". João Gil, com Catarina Furtado por perto, estremece ligeiramente... Sara acaba por namorar apenas com Nuno Guerreiro, num dueto com conta peso e medida de "Solta-se o Beijo". Antes do "grand finale", acende-se outra luz. João Gil, sem mais ninguém por perto, canta e sangra na guitarra de 12 cordas a canção mais simples e mais pungente da noite, "No Colo de Meu Pai", a tal que escreveu na infância durante uma viagem de comboio entre a Covilhã e a Soalheira, na companhia dos pais.
Depois da solidão atiram-se os foguetes. Toda a última parte fica a cargo dos ressuscitados Rio Grande. Tim, Rui Veloso, Jorge Palma cantam à vez, mas agora quem comanda é Vitorino, que não só rubrica uma interpretação imaculada em "O Caçador da Adiça" como, de concertina em punho, em "Fui às Sortes e Safei-me", puxa e "provoca" os outros, ao desafio. Para João Gil e Rui Veloso, pouco afoitos nas guitarras: "Rapazes do Sul!...". A Manuel Paulo, no acordeão: "É um instrumento difícil...". Para Tim, no baixo: "Só isso?". E apresenta "um solo de palmas pelo Jorge Palma".
Já com todos os participantes no palco e a plateia a aplaudir de pé, canta-se em grande confusão e emoção, "Loucos de Lisboa" e "Zé Passarinho". João Gil ainda tem tempo para agradecer a toda a gente, em particular, a João Monge, letrista dos Ala. Mas sobretudo "ao seu amor". Uma coisa "à americana", diz, com a comoção bem visível no rosto.

EM RESUMO
Em noite de sintonia, amizade e boa música, Jorge Palma, Isabel Silvestre, Vitorino e o anfitrião brilharam com uma intensidade especial

Sem comentários: