CULTURA
SÁBADO, 23 JUN
2001
Crítica Música
A
festa do Gil
João
Gil e convidados
LISBOA Grande Auditório do
Centro Cultural de Belém
20 e 21 de Julho
Lotação esgotada
O Grande
Auditório do Centro Cultural de Belém encheu-se, terça e quarta-feira passadas,
na festa do 25.º aniversário de carreira de João Gil, escritor de canções. De
entre o desfile de estrelas convidadas sobressaíram três instantes de magia,
protagonizados por Jorge Palma, Isabel Silvestre e o próprio João Gil.
Tudo
começou com "Saudade", mitigada pelo reencontro dos ex-Trovante Gil,
Luís Represas e Manuel Faria. "125 Azul" prolongou a memória do grupo
que nos anos 80 ajudou a dignificar a música popular portuguesa. Mas as
recordações aos poucos vão abandonando o sótão das sombras do que foi para se
iluminarem na luz do que ainda é. "Ficava aqui a noite toda a tocar
contigo", lança Luís Represas ao amigo. Despede-se com um
"diverte-te!".
João
Gil parece estar a divertir-se. Manuel Paulo, da Ala dos Namorados, substitui
Faria. Chispam faíscas da azáfama dos músicos, mas Gil refresca os ânimos:
"Vamos devagar, vamos com calma, noto uma certa tensão no ar...". Os
outros acalmam-se. Paulo Ribeiro entra para cantar "Lua dos Imortais"
e "Olhos nos Olhos". Traz consigo algum nervosismo e a primeira
canção começa por não lhe sair bem. À segunda, porém, entra no espírito da
letra.
As
luzes apagam-se. O piano ilumina-se. Jorge Palma chega e ordena: "Senta-te
aí". Bluesy. Mas o melhor vem com "Alice". Fabulosa
interpretação arrancada do fundo. O homem pode às vezes desafinar, desatinar,
desaustinar, mas, caramba, tem os blues dentro de si. "Alice" foi
outra Alice. João Gil percebe-o: "A canção é ainda melhor do que eu pensava!".
Camané,
o maior fadista masculino da atualidade, tem direito a três canções. Não está
inteiramente à vontade, ainda que disponha dos seus músicos habituais.
"Travessa" aquece e "Fim", com letra de Mário de
Sá-Carneiro, ronda o arrebatamento, mas, a sós com o piano de Manuel Faria,
tropeça numa ratoeira do tom armada por um "Perdidamente" mal
ensaiado.
Intervalo.
Faz-se a contagem de VIP. Catarina Furtado, mulher de João Gil, é quem dá mais
nas vistas. Fátima Lopes passa o tempo a controlar com ar sisudo as câmaras da
SIC. Nayma, Rita Ferro Rodrigues, Margarida Marinho, Margarida Pinto Correia e
Cila do Carmo distribuem "charme".
Mas
a ilusão e o espetáculo voltam. Agora ninguém tira o protagonismo à Ala dos
Namorados e ao seu vocalista Nuno Guerreiro, que se mostra endiabrado. Canta
mais agudo do que nunca, incita os seus camaradas, salta e exibe os bíceps.
Depois do "vaudeville" de "Ruas e Praças", "Rua do
Gato Preto" dá para um solo impecável ao piano de Manuel Paulo e destaca
as pontuações no baixo de Zé Nabo e as marcações rítmicas de Bruno Vaz.
Entra
Isabel Silvestre, parecendo deslocada no contexto. Cantora do povo – de Manhouce
– para o povo, canta apenas "Ao Sul", na companhia do piano de Manuel
Paulo. A sua voz é uma chama trémula e uma lágrima. Arrepios. O contexto
adequou-se a ela.
Sara
Tavares é o contrário. Extrovertida, swingante e sorridente. "Luar um
Dia" sai tórrida. Tanto como o comentário: "Estão aqui os meus
namorados!". João Gil, com Catarina Furtado por perto, estremece
ligeiramente... Sara acaba por namorar apenas com Nuno Guerreiro, num dueto com
conta peso e medida de "Solta-se o Beijo". Antes do "grand
finale", acende-se outra luz. João Gil, sem mais ninguém por perto, canta
e sangra na guitarra de 12 cordas a canção mais simples e mais pungente da
noite, "No Colo de Meu Pai", a tal que escreveu na infância durante
uma viagem de comboio entre a Covilhã e a Soalheira, na companhia dos pais.
Depois
da solidão atiram-se os foguetes. Toda a última parte fica a cargo dos
ressuscitados Rio Grande. Tim, Rui Veloso, Jorge Palma cantam à vez, mas agora
quem comanda é Vitorino, que não só rubrica uma interpretação imaculada em
"O Caçador da Adiça" como, de concertina em punho, em "Fui às
Sortes e Safei-me", puxa e "provoca" os outros, ao desafio. Para
João Gil e Rui Veloso, pouco afoitos nas guitarras: "Rapazes do
Sul!...". A Manuel Paulo, no acordeão: "É um instrumento
difícil...". Para Tim, no baixo: "Só isso?". E apresenta
"um solo de palmas pelo Jorge Palma".
Já
com todos os participantes no palco e a plateia a aplaudir de pé, canta-se em
grande confusão e emoção, "Loucos de Lisboa" e "Zé
Passarinho". João Gil ainda tem tempo para agradecer a toda a gente, em
particular, a João Monge, letrista dos Ala. Mas sobretudo "ao seu
amor". Uma coisa "à americana", diz, com a comoção bem visível
no rosto.
EM RESUMO
Em
noite de sintonia, amizade e boa música, Jorge Palma, Isabel Silvestre,
Vitorino e o anfitrião brilharam com uma intensidade especial
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