CULTURA
QUINTA-FEIRA, 25 NOV 2002
A hora de
Carlos do Carmo
Carlos
do Carmo
Sintra, Centro Cultural Olga Cadaval
23 de Novembro, 22h
Lotação esgotada
Carlos
do Carmo está de volta. O cantor, mas também, surpreendentemente, o
“entertainer” rejuvenescido que sabe que já não tem nada a provar a ninguém. A
voz de Lisboa cumpriu nova etapa da sua carreira, não na cidade que o viu
nascer para o fado, mas em Sintra, sábado, no Centro Cultural Olga Cadaval,
local escolhido para a apresentação do seu novo álbum de originais, “Nove Fados
e uma Canção de Amor”.
Perante uma plateia que esgotou a lotação do auditório,
incluindo uma mão cheia de “vips”, os que diretamente estiveram envolvidos no
disco, como António Vitorino de Almeida, Rui Veloso, Paulo de Carvalho e o seu
filho Gil do Carmo, mas também Camané e, obviamente, o presidente da Câmara de Sintra,
Fernando Seara, Carlos do Carmo não se fez rogado, lançando-se numa maratona de
três horas de música mais as histórias que deram vida a “Nove Fados e uma
Canção de Amor”.
E foi como contador de histórias que o cantor brilhou na
primeira parte do concerto, inteiramente preenchido com os nove fados e a tal
canção, “Sombra do desejo”, que Rui Veloso lhe ofereceu. Ao Carlos do Carmo dos
“afetos”, dos amigos “lindos”, das “cumplicidades” e da “gente bonita da minha
terra” que todos conhecem, juntou-se o crítico mordaz e menos cerimonioso que o
costume, “jongleur” de palavras certeiras e de um humor, ora subtil, ora
corrosivo, de quem até se “está a marimbar para os puristas” que possam receber
mal algumas das “heresias” estéticas deste novo disco. Porque “Nove Fados e uma
Canção de Amor” é um trabalho onde o fado não anda só, juntando-se à música
brasileira de Ivan Lins (“3 sílabas de sal”) e angolana de André Mingas (“Fado
mulato”), colorindo-se de tons de câmara pela escrita de António Vitorino de
Almeida, em “Fado maestro” e “Eu canto”, correndo o risco maior na fusão de
“Dois portos” (com o convidado Walter Idalgo, no bandoneon), que Gil do Carmo
concebeu como diálogo entre o fado e o tango.
Porém, se a música escrita está ao nível do que o cantor de “Um
Homem na Cidade” nos habituou, já a interpretação se ressentiu do facto de as
letras não estarem ainda memorizadas, o que fez a voz elevar-se em certos casos
mais do que o necessário ou a ter ligeiras hesitações, faltando em certos casos
o intimismo que, lá mais para a frente e com outra rodagem, levará estes
fados-canções ao lugar que lhes pertence e cada um fará seu.
Curioso verificar como esta desejável intimidade entre composição
e interiorização funcionou em pleno na tal canção de amor com música de Rui
Veloso que fecha o álbum, e que em Sintra teve como instrumentistas Ricardo
Dias, no piano, Carlos Bica, no contrabaixo, e um violoncelista americano.
“Não vês no teu sorriso fogo posto/ Que lavra nos fados onde
morei/ Se não vês tudo isto no teu rosto/ Perdoa-me meu amor porque sonhei”. Carlos
do Carmo cantou as palavras de João Monge como só ele sabe, sabendo que toda a
declaração de amor (incluindo o amor pela música), mais do que proclamação, é
um segredo para ser dito ao ouvido. Mesmo quando o fogo lavra em câmara
ardente.
Na segunda parte, Carlos do Carmo foi rei e senhor. Liberta da
tensão, a voz soltou-se em modulações tão naturais como a respiração, encontrando
ainda espaço para tirar das palavras, tantas vezes cantadas, uma emoção
renovada. “Lisboa menina e moça”, “Os putos”, “Gaivota”, “Canoa” foram cantadas
em coro pelo público, hinos de uma Lisboa que não morrerá enquanto houver quem
a cante e sonhe como Carlos do Carmo.
O fado, o grande fado, esse chegou mesmo no fim, já no “encore”,
quando o cantor se afastou do microfone para cantar, sem amplificação, “Horas”.
Pelo que se viu e ouviu em Sintra, a hora é de novo a de Carlos do Carmo.
EM RESUMO
O concerto Em
Sintra, Carlos do Carmo demonstrou uma vez mais porque é considerado o maior
cantor vivo da cidade de Lisboa
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