05/11/2016

A hora de Carlos do Carmo

CULTURA
QUINTA-FEIRA, 25 NOV 2002

A hora de Carlos do Carmo

Carlos do Carmo

Sintra, Centro Cultural Olga Cadaval
23 de Novembro, 22h
Lotação esgotada

Carlos do Carmo está de volta. O cantor, mas também, surpreendentemente, o “entertainer” rejuvenescido que sabe que já não tem nada a provar a ninguém. A voz de Lisboa cumpriu nova etapa da sua carreira, não na cidade que o viu nascer para o fado, mas em Sintra, sábado, no Centro Cultural Olga Cadaval, local escolhido para a apresentação do seu novo álbum de originais, “Nove Fados e uma Canção de Amor”.
Perante uma plateia que esgotou a lotação do auditório, incluindo uma mão cheia de “vips”, os que diretamente estiveram envolvidos no disco, como António Vitorino de Almeida, Rui Veloso, Paulo de Carvalho e o seu filho Gil do Carmo, mas também Camané e, obviamente, o presidente da Câmara de Sintra, Fernando Seara, Carlos do Carmo não se fez rogado, lançando-se numa maratona de três horas de música mais as histórias que deram vida a “Nove Fados e uma Canção de Amor”.
E foi como contador de histórias que o cantor brilhou na primeira parte do concerto, inteiramente preenchido com os nove fados e a tal canção, “Sombra do desejo”, que Rui Veloso lhe ofereceu. Ao Carlos do Carmo dos “afetos”, dos amigos “lindos”, das “cumplicidades” e da “gente bonita da minha terra” que todos conhecem, juntou-se o crítico mordaz e menos cerimonioso que o costume, “jongleur” de palavras certeiras e de um humor, ora subtil, ora corrosivo, de quem até se “está a marimbar para os puristas” que possam receber mal algumas das “heresias” estéticas deste novo disco. Porque “Nove Fados e uma Canção de Amor” é um trabalho onde o fado não anda só, juntando-se à música brasileira de Ivan Lins (“3 sílabas de sal”) e angolana de André Mingas (“Fado mulato”), colorindo-se de tons de câmara pela escrita de António Vitorino de Almeida, em “Fado maestro” e “Eu canto”, correndo o risco maior na fusão de “Dois portos” (com o convidado Walter Idalgo, no bandoneon), que Gil do Carmo concebeu como diálogo entre o fado e o tango.
Porém, se a música escrita está ao nível do que o cantor de “Um Homem na Cidade” nos habituou, já a interpretação se ressentiu do facto de as letras não estarem ainda memorizadas, o que fez a voz elevar-se em certos casos mais do que o necessário ou a ter ligeiras hesitações, faltando em certos casos o intimismo que, lá mais para a frente e com outra rodagem, levará estes fados-canções ao lugar que lhes pertence e cada um fará seu.
Curioso verificar como esta desejável intimidade entre composição e interiorização funcionou em pleno na tal canção de amor com música de Rui Veloso que fecha o álbum, e que em Sintra teve como instrumentistas Ricardo Dias, no piano, Carlos Bica, no contrabaixo, e um violoncelista americano.
“Não vês no teu sorriso fogo posto/ Que lavra nos fados onde morei/ Se não vês tudo isto no teu rosto/ Perdoa-me meu amor porque sonhei”. Carlos do Carmo cantou as palavras de João Monge como só ele sabe, sabendo que toda a declaração de amor (incluindo o amor pela música), mais do que proclamação, é um segredo para ser dito ao ouvido. Mesmo quando o fogo lavra em câmara ardente.
Na segunda parte, Carlos do Carmo foi rei e senhor. Liberta da tensão, a voz soltou-se em modulações tão naturais como a respiração, encontrando ainda espaço para tirar das palavras, tantas vezes cantadas, uma emoção renovada. “Lisboa menina e moça”, “Os putos”, “Gaivota”, “Canoa” foram cantadas em coro pelo público, hinos de uma Lisboa que não morrerá enquanto houver quem a cante e sonhe como Carlos do Carmo.
O fado, o grande fado, esse chegou mesmo no fim, já no “encore”, quando o cantor se afastou do microfone para cantar, sem amplificação, “Horas”. Pelo que se viu e ouviu em Sintra, a hora é de novo a de Carlos do Carmo.

EM RESUMO

O concerto Em Sintra, Carlos do Carmo demonstrou uma vez mais porque é considerado o maior cantor vivo da cidade de Lisboa

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