CULTURA
DOMINGO, 20 MAI
2001
Fado iluminado
Não é só o corpo, mas a alma e a voz de Cristina Branco que são
banhados pela luz. Hoje à noite o fado iluminado canta-se no CCB
Não gosta
que digam que é uma emigrante. Mas o equívoco encontra alguma justificação no
facto de Cristina Branco passar mais tempo no estrangeiro, onde os compromissos
para concertos são muitos, do que na sua casa em Almeirim, onde acaba por vir “apenas
para dormir de vez em quando” ou “para fazer as malas” antes de partir para uma
nova viagem. “Sempre que dou um espetáculo novo em Portugal é por turrice
própria”, diz.
Além disso a sua carreira tem sido
construída, em termos discográficos, toda ela na Holanda, onde registou até à data
os álbuns “Cristina Branco in Holland” (1997), “Murmúrios” (1998),
“Post-Scriptum” (1999) e “Cristina Branco Canta Slauerhoff” (2000), o que
também terá contribuído para um menor interesse da parte das editoras
nacionais, ainda que todos estes discos, chegados ao mercado português por via
da importação direta, tenham esgotado ao fim de pouco tempo. “Murmúrios” chegou
a ser apresentado a um selo português, “mas não se interessaram”, diz Cristina Branco,
lamentando o desinteresse da outra parte, para a qual “apostar no disco seria quase
um incómodo”. Na Holanda, pelo contrário, a editora Music & Words agarrou
de imediato neste trabalho que viria a receber um galardão do jornal “Le
Monde”, para melhor álbum de música internacional do ano.
Com o novo “Corpo Iluminado”, título
inspirado numa expressão de David Mourão-Ferreira, o caso poderá mudar de
figura, uma vez que se trata do primeiro disco da fadista, ou “cantora de
fado”, como ele gosta de ser chamada, a ter distribuição em Portugal, pela Universal.
Para a fadista “foi criada finalmente uma base sólida” que permita criar sem sobressaltos.
Os empresários portugueses também
não têm sido magnânimos nos convites endereçados à fadista. “Só consegui apresentar
cá o ‘Post-Scriptum’ porque insisti em apresentar o disco em Portugal, nunca
nenhuma sala de concertos me telefonou, ou ao meu agenciamento, a manifestar
algum interesse, uma vez mais, valeu a minha turrice...”.
Não é um queixume, mas apenas a
verificação de um facto. A “cantora de fado” explica-o pela sua maneira de ser,
“uma personalidade diferente”: “Não gosto de me vender!”. Os outros vendem-se? “Eventualmente,
ou pelo menos vendem-se melhor do que eu, mas isto não é de forma nenhuma uma
crítica, mas apenas a minha maneira de estar”.
Diferente é também a forma como
encara o fado, o que, na sua opinião, tem criado algumas barreiras entre si e o
público português, o qual, diz, “não está muito aberto” ao tipo de trabalho que
faz. “Apresentamos o nosso fado em concerto, nunca na versão a que as pessoas
estão habituadas. Quando vão a um teatro ver fado estão à espera de encontrar seis
ou oito pessoas a cantar, ainda não existe aquela visão do concerto, numa aceção
clássica. Ainda não interiorizaram que o fado pode contar uma história a solo,
em vez de mostrar apenas retalhos de cada pessoa, sem nunca se perceber o que
essa pessoa é verdadeiramente”.
A sua é uma história que toca no
fado com sofisticação, elegância e uma beleza luminosa, raramente trágica. E, em
“Corpo Iluminado”, pela poesia de David Mourão-Ferreira, Ary dos Santos, Sophia
de Mello Breyner Andresen, Manuel Alegre, Luís Vaz de Camões, Pedro Homem de Mello,
Vasco de Lima Couto, Maria Duarte e Fernando Pessoa. Aqueles em cujos poemas, “normalmente
enclausurados nos livros”, Cristina Branco encontra “uma música implícita”. O
álbum fecha com uma vocalização “a capella” do tradicional “Molinera” —
“gravado num só take e um pouco a minha impressão digital. É um tema que
conheço há muitos anos, do primeiro álbum dos Trovante, e que costumava cantar
na garagem dos meus pais, quando era miúda”.
No concerto desta noite Cristina
Branco apresentará temas pertencentes à totalidade da sua discografia, mais três
ou quatro fados “mais tradicionais”, de Amália Rodrigues. Terá a seu lado os mesmos
músicos que a acompanham em “Corpo Iluminado”: Custódio Castelo (compositor, autor
dos arranjos e guitarra portuguesa), Alexandre Silva (guitarra) e Fernando Maia
(guitarra baixo), e o convidado Miguel Carvalhinho (guitarra clássica) que também
participa no disco.
CRISTINA BRANCO
Lisboa,
Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém. Às 21h30
Tel.
213612400. Bilhetes a 2500$00 e 3500$00.
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