Pop
Rock
19 Janeiro
1994
TOQUE AO DE LEVE
TOQUE DE CAIXA
Histórias do Som
Numérica/Etnia
É um disco de música portuguesa de raiz tradicional. Só por isso a sua
edição merece todos os aplausos, de tal forma tem sido escassa a produção
nacional nesta área, nos últimos tempos. É simultaneamente o primeiro
lançamento conjunto da editora discográfica Numérica, do Porto, e da
cooperativa cultural minhota Etnia.
Vamos às “Histórias”. A pressão faz-se sentir de imediato sobre o
crítico, que, por um lado, se sente na obrigação de apoiar este género de
discos, em prol de uma causa que, em Portugal, só agora parece começar a ser
acarinhada, e, por outro, se obriga a manter a lucidez e o espírito crítico em
estado de alerta. Trocado por miúdos, isto significa que “Histórias do Som” não
é um disco que venha salvar a música portuguesa, nem essa foi, de resto, a
intenção dos Toque de Caixa, a julgar pela modéstia de intenções enunciada na
contracapa do CD. É, antes, um disco honesto, agradável de ouvir e, sobretudo, nada
preocupado com questões de fidelidade.
Mas – há sempre um “mas” em tudo – falta algo a estas histórias, a
parcela, por vezes tão pequena, que separa os bons discos dos discos
excecionais . Que parcela é esta que, para já, se esconde aos olhos dos Toque
de Caixa? Vejamos: existem duas maneiras principais de “pegar” na música
tradicional, seja o que for o que depois de faça dela. Por “dentro” e por
“fora”. Dito de outra maneira: pegar, pela via da mecânica, nas formas, ou
pegar, pela via da intuição, nos sentires (e sentidos) que subjazem à sua
criação. Os Toque de Caixa pegaram (linguagem quase tauromáquica, esta!…) por
fora. O resultado é que a música soa bem ao ouvido, é bonita, em suma, mas não
possui estratos mais profundos nem permite outras leituras e comprazimentos por
descobrir debaixo da camada superficial.
Por muito que isso repugne aos Toque de Caixa, são inevitáveis as
comparações com os Vai de Roda. Até porque certos pormenores de “Histórias do
Som” remetem de imediato para o trabalho de Manuel Tentúgal, como é o caso da
utilização dos sintetizadores, em tudo semelhante ao do “Terreiro das Bruxas”,
em particular no tema introdutório, “Encosta do Silêncio”. Outro exemplo: a sequência vocal algures no meio de “Tirana”
lembra, de modo inequívoco, o estilo de Bilão, dos Vai de Roda. Um ponto a
favor dos Toque de Caixa, na versão de “Çapatinho rebatido”, tão ou mais
conseguida que a de “Terreiro das Bruxas”, muito por culpa da excecional
participação do convidado Fernando Meireles, na sanfona.
“Histórias do Som” mostra de forma clara uma predileção especial pelos
instrumentos de corda, da parte de Horácio e Miguel Teixeira. Guitarra,
braguesa, bandolim e “cuatro” (olha, nenhum cavaquinho!...) entregam-se
mutuamente num jogo que, juntamente com a concertina e o acordeão de Albertina
Canastra, apontam sem grandes desvios para os Penguin Cafe Orchestra, em temas
como “Lama grande” (bastante bonito, por sinal), “Valsinha da canastra”, “A
saída do carro” (nestes dois últimos, sobretudo ao nível do compasso) e partes
de “Fantasia minhota”. A gaita de foles de Tereza Paiva brilha num duplo “take”
de “Alvorada” e, sobretudo, na aproximação longínqua de “O amigo vagabundo”.
Interessantes são a lenta subida do monte (será por acaso que algumas
notas e o ambiente geral coincidam com essa outra lenta ascensão, de Brian Eno,
em “Taking Tiger Mountain”?) em “Sra. Sant’Ana” e a lenga-lenga infantil que
culmina a extensa introdução das cordas de “Aula de música”.
“Encontro” é, de longe, o melhor tema e seguramente aquele onde poderão
ser encontradas vias para um aprofundamento da música. Uma simplicidade de
processos que resulta em cheio e em força, na sobreposição do canto masculino
sobre a cadência imparável das percussões.
“Histórias do Som” tem a capacidade de seduzir os ouvidos. Esperemos que,
de futuro, outras histórias sejam capazes de seduzir o coração. (7)
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