02/08/2016

Canções da depressão [Nick Drake]

Pop Rock
22 de Agosto 1990



Como se sabe, ou devia saber-se, “morrem jovens aqueles que os deuses amam”. Ao conceder-lhes o génio, em troca do sofrimento. Nick Drake morreu jovem. O sofrimento mereceu-lhe da divindade o dom da escrita de pequenas canções melancólicas, momentos mágicos guardados no íntimo de uns poucos privilegiados que souberam sentir a imensa tristeza e beleza da decadência e da solidão.

Gravou pouco em quantidade: três discos de originais, agora reeditados. Música discreta, arrebatada, sempre contida. Feita de sentimentos suaves, sonhos incompletos. A paixão também arde em fogo lento.
            Vivia-se a época eufórica e idealista da música progressiva. Anos 70, no princípio. Eram os anos de todos os Mozarts e Beethovens da música popular. Duplos álbuns conceptuais e grandiloquentes, às vezes pretensiosos. “Rock sinfónico” foi o selo pomposo e de mau gosto que arranjaram. Perdido no meio das vagas altaneiras dos sintetizadores-maravilha e dos solos de meia hora, um rapaz nascido em Burma, educado em Cambridge, compunha, tocava guitarra e cantava canções estranhas, tristes, diferentes. Escutadas em público, pela primeira vez, nas primeiras partes de concertos de artistas folk, como Ashley Hutchings e os Fairport Convention.

Canções da Depressão

            Joe Boyd, da Island, reparou nele e convidou-o a passar para disco as suas fantasias. Em 1969, era editado “Five Leaves Left”, introspetivo, angustiado, comparado a “Astral Weeks”, de Van Morrison. “Time Has Told Me”, “Day is gone”, “Fruit Tree”, títulos sugestivos para canções frágeis e emotivas, por vezes com arranjos orquestrais em que, na altura, poucos repararam, excetuando talvez as sensibilidades gémeas.
            “Bryter Layter” sai no ano seguinte e mostra Drake um pouco mais conciliado com a vida, pura aparência, escondendo uma crescente depressão, compensada por sessões psiquiátricas e medicamentação apropriada. Presentes no disco, alguns amigos: Richard Thompson, Dave Pegg e Dave Mattacks, todos dos Fairport Convention, e John Cale. Discretas sugestões jazzísticas suportando uma atmosfera sonhadora, única maneira que encontrou para fugir aos tons sombrios da realidade concreta. Só John Martyn, seu colega na editora, se aproximava das conceções musicais de Drake (e Tim Buckley, que também não resistiu), mas, ao contrário deste, sabendo manter a distanciação necessária entre a arte e a vida, vital para quem não aspira à condição de mártir. Algumas canções: “Not that the Vibe Survives”, “Chime of a City Clock”, “Northern Sky”, esta inspiradora dos Dream Academy, que lhe dedicaram “Life in a Northern Town”.
            Entre duas sessões psiquiátricas, parte para Paris, onde compõe algumas canções para a cantora de variedades Françoise Hardy, gravadas, diz-se, mas nunca editadas.

À maneira dos românticos

            “Pink Moon” (1972) apresenta os sinais inconfundíveis da desolação. Sozinho à guitarra e ao piano para 25 minutos intensos, deixando testemunho da “arte de se destroçar”, para utilizar a expressão com que Marc Almond tão bem soube definir certos estados de alma. “Things behind the Sun”, “Pink Moon”, o sol e a lua, o ouro e a prata, o dia e a noite, polos opostos e complementares de uma unidade que Nick Drake nunca logrou alcançar. Encontrou-a na aniquilação e no retorno ao ventre original – à maneira dos românticos. Núpcias derradeiras em que desposou a morte. Em Novembro de 1974, tinha 26 anos, sucumbiu vítima de uma “overdose” de medicamentos antidepressivos. Foram editadas compilações póstumas, como sempre acontece quando uma estrela se apaga no firmamento: “Heaven in a Wild Flower” (intitulada a partir do texto homónimo do poeta e visionário inglês William Blake, reunindo os dois últimos álbuns), “Time of no Reply” (que inclui misturas alternativas e alguns temas originais) e, finalmente, em 1986, “Fruit Tree”, uma caixa contendo quatro discos que reúnem a totalidade da obra do músico.
            Joe Boyd, seu amigo de sempre, impôs como condição para as reedições de todos os álbuns que estes nunca saíssem do catálogo.
            Recordamo-lo nos dias tristes e chuvosos de Inverno. Escrevia canções. Num quarto iluminado por um sol que não era o nosso.


NICK DRAKE

Five Leaves Left
Bryter Layter
Pink Moon
Heaven In A Wild Flower (compilação)


Reedição em LPs e CDs Island

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