29/08/2016

Domingo gordo [Four Men & A Dog - 6º Festival Intercéltico do Porto]

PÚBLICO
cultura TERÇA 11 ABRIL 1995

Festival Intercéltico termina no Terço em delírio

Domingo gordo

ALTO! PAREM as rotativas! O maior espetáculo e o gordo com mais talento do universo estiveram no Intercéltico do Porto! O espetáculo chama-se Four Men and A Dog e o gordo, Gino Lupari. Arrasaram o Terço com o seu “cocktail” explosivo de música sem fronteiras e humor. “It’s only folk and roll, but I like it!” O triunfo pertenceu uma vez mais aos irlandeses.
            Se, como dissemos, os Skolvan escreveram na véspera uma das páginas douradas da história deste festival, domingo, a fechar mais uma edição do Intercéltico, à sexta, os irlandeses Four Men and A Dog escreveram um livro inteiro. O cinema do Terço enlouquecu, contagiado pelo vírus de demência propagado por estes quatro homens e um cão imaginário, sob a batuta de um gordo impressionante que só por si deu um espetáculo à parte.
            A música dos Four Men and A Dog mistura as tradições norte-americana e irlandesa, com um versão frenética do novo clássico “folk”, “Music for a Found harmonium”, dos Penguin Cafe Orchestra, a batida do rock’n’roll e os “jigs” e “reels” tradicionais. Convém esclarecer que um “jig”, para os Four Men and A Dog, é uma coisa elástica que até pode ter um título como “Michael Jackson’s jig”. Uma amostra desta combinação pode ser apreciada no último álbum da banda, “Doctor A’s Secret Remedies”, do qual foram selecionados seis temas para o concerto.
            Cathal Hayden é um “fiddle player” do que engrenam da quinta velocidade para cima e só param depois de rebentarem todas as cordas do arco. O segundo homem do arco, Gerry O’Connor, não lhe fica atrás, mostrando-se ainda um endiabrado tocador de banjo. As corridas que travaram entre si à desfilada, vão perdurar na memória por longo tempo. Na guitarra, Kevin Doherty, foi obrigado a refrear um pouco o entusiasmo, sob pena da sala se transformar em palco de um holocausto. E Gino Lupari, o gordo imenso, com cara de criança, género Dom de Louise infinitamente com mais piada? Gino é um portento no “bodhran” (instrumento de percussão irlandês), um brontossauro de “swing”. Gino levou tudo à sua frente, acelerou loucamente, ribombou nas peles, foi subtil nos “bones” (tocados como castanholas), criou a plataforma rítmica para a loucura. Imagine-se 250 kilos a emborcar cervejas, a perguntar entre dois temas pelo resultado do último jogo do Manchester United – “há coisas mais importantes que a música!” –, a cantar como um possesso o bom velho “rock ‘n’ roll” e a meter apartes simplesmente hilariantes! Imagine-se ainda os mesmos 250 kilos com uma expressão de querubim compenetrado, a tocar um sininho minúsculo! Ou a menear-se pelo palco, baixando a alça do seu fato-macaco. 250 kilos de comunicabilidade com o público e entrega total à música e ao espetáculo como nunca se viram em seis anos de Intercéltico. Gino Lupari, os Four Men and A Dog, tocaram até não poderem mais. O público sentiu que estava a viver um momento irrepetível. A Irlanda, uma vez mais, venceu.
            Na primeira parte atuaram os Luar na Lubre, da Galiza. Uma bela atuação deste octeto que apenas se pode queixar de ter tocado antes dos Four Men. Com uma postura semelhante à dos Milladoiro e uma escolha de reportório que privilegiou a vertente mais intimista – com lugar para um “an dro” bretão e um par de jigas irlandesas –, os autores do recente “Ara-Solis” criaram uma atmosfera de encantamento. E se a pureza da voz de Ana Espinosa não teve um som à altura já Bieito Romero provou ser um gaiteiro de exceção, nas “muiñeiras” da praxe. Numa delas, “Muiñeira de Malpica”, o mesmo Bieito fez a apresentação de Eduardo Mendez, um novato que já é uma certeza entre a nova geração de gaiteiros galegos, entrando ambos num empolgante duelo. Os Luar na Lubre cumpriram o que deles se esperava, deixando no ar uma “moira soidade”.
            Caído o pano sobre o festival, cabe destacar mais uma vez a organização da MC – Mundo da Canção, um aparelho que não falha, juntando o profissionalismo à excelência das relações humanas. Razão por que os músicos passam palavra, fazendo da sua participação no festival um ponto de honra. Todos querem voltar. E o Porto ganhou mais uma lenda: Gino Lupari.

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