14/08/2016

Brigada Victor Jara - 15 Anos de Recriação da Música Tradicional Portuguesa

Pop Rock

11 NOVEMBRO 1992
WORLD

UMA FONTE QUE NÃO SECA


BRIGADA VICTOR JARA
15 Anos de Recriação da Música Tradicional Portuguesa
CD, Caravela, distri. UPAV


Houve um tempo áureo da música popular portuguesa. A primeira metade dos anos 80 prometia a eternidade ou, pelo menos, um futuro risonho para os bons grupos que então se entregavam, como diz o título deste disco, “à recriação da música tradicional portuguesa”: Ronda dos Quatro Caminhos, Almanaque, Raízes, Terra a Terra, Vai de Roda e Brigada Victor Jara. Alguns ficaram pelo caminho. Outros, a determinada altura, seguiram por ínvios atalhos, mais fáceis, talvez mais rentáveis. Sobraram dessa geração os Vai de Roda, após um período de interregno, e a Brigada Victor Jara, que continua o seu percurso de demanda de um graal oculto na matéria-prima das tradições portuguesas. Os músicos da Brigada Victor Jara nunca se quiseram fazer passar por puristas. Desde o primeiro disco, “Eito Fora”, de 1977, até ao mais recente, “Monte Formoso”, de 1989, passando por “Tamborileiro” (1979), “Marcha dos Foliões” (1982) e “Contraluz” (1984), sempre se dedicaram à tal “recriação”, ou seja, ao aproveitamento de uma base tradicional sobre a qual criaram, e continuam a criar, arranjos contemporâneos, uns mais do que outros, sem contudo perderem o “espírito” tradicional. Conseguir ser atual e manter vivo esse “espírito”, eis onde reside o segredo. O seus detentores sabem como evitar o perigo da descaracterização e manter ereta a árvore. Pois sabem que as raízes permanecem mas a folhagem pode mudar. Ao longo de 15 anos, passaram pela Brigada mais de vinte músicos. As várias mudanças de formação não obstaram entretanto à manutenção de um estilo e de uma linha de conduta exemplares. “15 Anos” reúne de facto alguns dos melhores temas da discorafia da banda, com perdomínio da tradição nortenha (oito tradicionais transmontanos, um do Douro Litoral, quatro das Beiras), somente uma canção do Alentejo e três dos Açores, além dos “pregões” recolhidos e transfigurados pela Brigada numa original evocação das vozes populares de uma cidade que já vai faltando. Canções e instrumentais passam por ordem cronológica que, curiosamente, faz sentido, trazendo à memória e ao presente outros tempos e outros costumes. Contam-se histórias, afastam-se papões, fazem-se festas e baila-se numa terra não dividida. As percussões granítcas dos bombos suportam os folguedos das gaitas-de-foles. Sobre o palanque, no adro da igreja, alguém toca um acordeão, um violino, uma flauta. E na dança os pares de raparigas e rapazes enlaçam-se no círculo inquebrantável. O prazer casa-se com a religiosidade, a euforia dionísica com a simplicidade e força apolíneas. A Brigada Victor Jara viaja pelo Portugal que gostaríamos que permanecesse para sempre. Na sua música não há nostalgia do passado porque nunca houve tempo perdido ou que ficasse irremediavelmente para trás. Pelo contrário, as canções são eternas, tocadas num adufe ou num sintetizador. Nunca seca, a água da fonte primeira. Em “15 Anos” não há momentos fracos e abundam os que ficaram para a história da música portuguesa de raiz tradicional: “Ao romper da bela aurora”, “Marião”, “Ó menino ó”, “Charamba”, “S. Gonçalo”, “Cantiga bailada”, “Faixinha Verde” ou um “Bento airoso” inesquecível que talvez valesse a pena recuperar em novo arranjo que deixasse de parte o saxofone. Para os incondicionais da Brigada (e até à data o único disco da banda em compacto) ou para os apreciadores da música popular portuguesa em geral, um disco de aquisição obrigatória. (8)

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