17/08/2016

Anúna - Anúna

Pop Rock

28 ABRIL 1993
WORLD

ANÚNA
Anúna
CD Danú, distri. VGM

Ainda mal se extinguiram os ecos de “Vox de Nube” e já outras vozes se levantam em coro numa catedral, agora dos Anúna, formação de 16 músicos (embora possam apresentar ao vivo um grupo com menos elementos) sob a direção de Michael McGlynn, cujo reportório incide maioritariamente na música da tradição celta irlandesa, da Idade Média a compositores contemporâneos.
Surgidos na Irlanda em 1989, os Anúna – nome correspondente ao irlandês antigo “An Uaithne”, o deus bom tocador de harpa – contam já no seu currículo atuações ao lado de Máire Ní Bhraonáin (Clannad), Liam O’Flynn e, hélas, Noirin Ní Ríain, essa mesma, a voz celestial de “Vox de Nube”. Michael McGlynn gosta de compor peças, ao estilo épico mais acessível, com nomes sugestivos – “Media Vita”, “Invocation”, “Carmacus Scripsit” – e de pôr o coro a cantar em igrejas, onde a acústica do espaço resulta sempre quando se trata de levantar a voz ao céu. Em “Anúna” é o que mais uma vez acontece – 15 vozes mistas agregadas na sublime missão de nos fazer ascender à morada dos deuses.
A primeira impressão que se desprende é de majestosidade. De luminosidade de vitrais. De diálogo com o transcendente. Neste aspeto, “Anúna” soa até, num primeiro contacto com a música, mais bonito que “Vox de Nube”. Só que “mais bonito” não significa forçosamente “mais belo”. É que em “Vox de Nube” existe a profundidade da liturgia enquanto que dos Anúna ressalta amiúde a sensação de vozes deslumbradas pela reverberação, confundidas em autocontemplação, em diálogo ao espelho consigo mesmas e menos com o divino. Até ao nível da instrumentação é perceptível a diferença existente entre os dois discos, se compararmos as vibrações de uma sanfona e as “drones” de um órgão indiano, de “Vox de Nube”, com os chilreios e fantasias de um “tin whistle”, de um violino ou de uma harpa, em “Anúna”.
“Vox de Nube” exige mais do auditor. É nuvem mas também sangue. “Anúna” mostra um azul mais límpido – o azul sem mácula do tema “The blue bird”, sobre um texto de Mary Coleridge que descreve uma visão: “Um pássaro azul, num céu azul, sobre um lago azul” – mas destituído do drama e da dilaceração que toda a ascese necessariamente comporta. Leva-nos, sem dúvida, pelo ar, a ver paisagens de uma perspectiva superior. Mas não tão alto que faça perder de vista a Terra.
Feitas as comparações, “Anúna” é um objeto de sedução imediata. Prisma refrator de sonhos e imagens que percorrem o quadro anímico que consentimos em chamar “celta”. Um passeio pela Idade Média sublimada, da música de um abade do século XII a um “Sanctus” escrito por McGlynn, evocativo de uma Idade que nos ensinaram ser das trevas, mas que é infinitamente mais luminoso que a escuridão do século em que vivemos, passando por um exercício de “mouth music”, ou “puirt-a-beul” (“Fionnghuala”, segundo a versão dos Bothy Band incluída em “Old Hag you have Killed me”, aqui quase contrária no espírito), e por um hino de St. Godric, também do século XII, uma das primeiras composições cantadas em língua inglesa.
“Anúna” renova a viagem de “Vox de Nube”, desta vez não ao sétimo mas ao quinto, vá lá, ao sexto céu. (8)


P.S. – Prestes a sair um álbum novo dos Patrick Street, em boa hora ressuscitados. Atenção: encontram-se à venda, na Voz do Operário, vários exemplares da caixa com três álbuns, livro e coleção de “slides”, “Instrumentos Populares Galegos”, dos Obradoiro.

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