29/08/2016

Brigada Victor Jara - Danças E Folias

Pop Rock

27 Setembro 1995

Abrigada nos clássicos

BRIGADA VICTOR JARA
Danças e Folias (9)
Ed. Farol

não existe um som Brigada da mesma maneira que existe um som Vai de Roda, um som Romanças, um som Ronda ou um som Realejo. Significa que falta personalidade a uma das bandas, juntamente com os Almanaque e o G. A. C., mais antigas do circuito folk nacional? A questão deve ser respondida a outro nível. A banda de Manuel Rocha, Ricardo Dias e Aurélio Malva, para citar apenas três dos seus principais solistas, tem vivido, desde o ano da sua formação, em 1975, do coletivo. Ao invés da procura e apuramento de uma assinatura singular, a opção, bem mais difícil, foi e continua a ser a de desenvolver um trabalho em profundidade em torno das nossas raízes. Se em anos anteriores este trabalho derivou para experiências de fusão, sobretudo em “Contraluz” e “Monte Formoso”, que resultaram ocasionalmente desequilibrados, em “Danças e Folias” assiste-se ao regresso a um certo classicismo, entendido – aliás, como referiu Manuel Rocha na entrevista que concedeu a este suplemento na passada semana – como uma postura mais próxima do formato tradicional da canção, que não das danças propriamente ditas (jota, chula, llaço, fofa, mazurca, chote), neste caso exploradas pelo seu lado mais intrinsecamente “musical”. A diversidade impera, fazendo prova do vasto leque de possibilidades que a banda tem ao seu dispor, ao mesmo tempo que de uma sensibilidade não confinada a fórmulas específicas ou estereotipadas.
O lado mais céltico, transmontano (incluindo dois temas de Rio de Onor, derradeira fortaleza comunitária, fiel aos ritmos e ritos da eternidade, oculta da modernidade nas faldas das terras para lá dos montes...) que enceta o disco esbarra ao quinto tema na surpresa de um dramatismo exacerbado, na vocalização – muito perto do paroxismo – do convidado Zeca Medeiros, uma força da Natureza à solta da sua ilha natal, S. Miguel, Açores. Uma mazurca palaciana, ainda aberta às reminiscências célticas, é por seu lado perturbada por uma das grandes canções do álbum, “Moda da zamburra”, canção de folia entoada no Entrudo, na Beira Baixa. “O mineiro”, melodia estremenha da região de Torres Vedras cruza-se com as síncopes e as modulações habituais na música da Bretanha, a bombarda substituída pela ponteira de Aurélio Malva e o sax soprano de outro convidado, Jorge Reis, a apontar para divertimentos bretões como os dos Gwendal ou Ti Jaz.
Muito a propósito, a Brigada volta a saltar para Trás-os-Montes, para o canto mirandês, o convénio das percussões e a chamada de veludo (nada frequente no meio da rudeza rochosa destes lugares...) da gaita-de-foles, em “Faile Cornudo”, outro dos temas em destaque em “Danças e Folias”. O violinista Manuel Rocha mostra ser o Dave Swarbrick português no “Chote” muito Fairportiano que se segue. “Donde vas” fecha em beleza, com um romance uma vez mais recolhido nos silêncios escuros de Rio de Onor, iluminado pela voz de Margarida Miranda, aqui assombrada pela mesma interrogação que traz suspensa Né Ladeiras em “Traz os Montes”, e o longo solo de filiscórnio, imbuído de religiosidade e o espírito barroco, de Tomás Pimentel. “Danças e Folias” aí está como exemplo para os aprendizes de feiticeiro que julgam poder fazer num dia o que demora uma vida a aprender.

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