17/08/2016

Rickie Lee Jones - Pop Pop

Pop Rock
9 de Outobro 1991

SONHOS DO PASSADO

RICKIE LEE JONES
Pop Pop
LP/MC/CD, Geffen, distri. BMG

Sonhos de um dia de Verão. Rickie Lee Jones, a “cowgirl” voadora, regressa com um álbum luminoso como se, de súbito, se revelasse a felicidade. Produzido pela própria e por David Was (dos Was Not Was), “Pop Pop” prescinde do superficial e programa os comandos para o coração do sol. A gravação, feita com um mínimo de “takes” num estúdio artesanal, procura recriar uma atmosfera intimista, ao ponto de a voz ter sido captada, na maioria dos temas, ao vivo e em direto no estúdio. O acompanhamento foi reduzido ao essencial e a uma componente exclusivamente acústica. Três músicos fabulosos chegam para construir os alicerces “cool” de um universo impermeável à eletricidades e às sonoridades da moda, de maneira a permitir à vocalista viajar, com toda a facilidade, por um reportório que se estende dos “standards” de jazz, a Peter Pan e aos delírios psicadélicos de Jimi Hendrix e dos Jefferson Airplane: Charlie Haden, no contrabaixo, Robben Ford na guitarra acústica de cordas de nylon e John Leftwich, na bateria.
A luz, essa escorre a cada espira da voz, do saxofone de Joe Henderson e do bandoneon de Dinno Saluzzi (o bandoneon “evoca outra era, talvez Paris nos anos 30, ou o espírito de Django Reinhardt” – sugere Rickie, perdida na magia do sonho).
Até na escolha de canções, Rickie Lee Jones apostou na diferença, remexendo em temas pouco conhecidos, à procura de ambientes estranhos e de textos que lhe permitissem extrair da sua interpretação um máximo de prazer. Ao longo das dez faixas que compõem “Pop Pop”, a voz da cantora desliza com a “souplesse” e a emoção só ao alcance das grandes cantoras de jazz, no fundo desmentindo um pouco o Pop do título, por “standards” de Frank Sinatra (“My one and only love”) e Tin Pan Alley, nos anos 20 (“Bye bye blackbird”), por um musical obscuro da “beat generation” (“Spring can really hang you up the most” e “The ballad of the sad young man”), ou por uma fantasia de “Peter Pan” (“I won’t grow up”), juntamente com a psicadelia dos Jefferson Airplane (“Comin’ back to me”) e Jimi Hendrix (“Up from the skies”). A disparidade das canções serve para a cantora criar uma atmosfera muito especial, como se pretendesse arrancar do passado uma “Brodway” onde subitamente se confundissem todos os seus mitos.

Impossível permanecer indiferente aos chilreios infantis, ao saxofone em estado de graça de Henderson e ao swing irresistível de “Dat dere”. “I’ll be seeing you” é-nos sussurrado diretamente ao coração, por uma voz arrebatada e pela surdina de um clarinete (Bob Sheppard) entristecido, num encontro casual no café. Pungente, o violino de Steve Kindler (Jan Hammer deu-o a conhecer, anos atrás, em “The First Seven Days”, nos tempos gloriosos da Mahavishnu Orchestra), em “Second Time Around”, composto nos anos 60 pela dupla Sammy Cahn/Jimmy Van Hausen. “I won’t grow up” voa sobre telhados antigos, transportando-nos até à era arqueológica das 78 rotações. Na derradeira canção, “Comin’ back to me”, uma sanfona despede-se ao longe, fazendo descer as cortinas sobre o ecrã onde, durante minutos, se projetou o filme de um mundo transfigurado pela luz. ****

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