05/11/2016

Demonstração eletrónica na ZDB

CULTURA
SEXTA-FEIRA, 13 SET 2002

Demonstração eletrónica na galeria Zé dos Bois

FESTIVAL EM LISBOA

“Super Stereo Demo” é um espetáculo para ver e ouvir com novos olhos. A eletrónica produzida em Portugal apostada em fazer a diferença. Hoje e amanhã na ZDB

Abram os cérebros e os ouvidos. Dêem corda aos neurónios. Puxem o lustro aos terminais nervosos. Desentupam as artérias. Liguem os sistemas operativos. A tecnologia, bandas sonoras da imaginação e outras alucinações eletrónicas do século XXI vão crepitar este fim-de-semana na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, sob o genérico Super Stereo Demo. Trata-se, segundo a organização, de uma colaboração Pogo/Variz, de um "evento pluridisciplinar que propõe uma demonstração da possibilidade de coabitação de uma pluralidade de imagens e que funciona como espaço privilegiado para ver evoluir a mais recente produção media-art nacional nas áreas da música eletrónica, performance, artes plásticas e vídeo". Convém ir preparado.
            Pela aconchegada e underground sala/vitrina de experimentalismos vários da ZDB irão passar, hoje e amanhã, djs, vídeoartistas, performers sem cartão do sindicato, terroristas sónicos, bizarras criaturas disfarçadas de funcionários públicos armados de "laptops", programadores de pesadelos digitais, afagadores de tacos das "dance floors", palhaços sintéticos e alguns dos ativistas mais empenhados da nova cena electrónica feita em Portugal. Soundtrap, Random Inc., Zzzzzzzzzzzzzzzzzp!, Curd Duca, Major Eléctrico (hoje), Bizz Circuits, Twokindermen, @c+Lia, Nova Huta e Trash Converters (amanhã) são os nomes em agenda, no capítulo das apresentações musicais.
            O ponto de partida para esta "demonstração" do que o futuro já tem para nos mostrar é, paradoxalmente, um velhinho disco dos anos 70 intitulado "Stereo Demonstration", um dos muitos editados nesta década, no período de transição do mono para a alta-fidelidade estéreo, com a finalidade de exibir para o ouvinte as mais recentes novidades tecnológicas a par dos mais estapafúrdios efeitos sonoros criados em estúdio. Não era tanto música de autor mas um som-de-artifício que tornava a sala de audição numa feira ao mesmo tempo que aliciava para a compra de mais sofisticados gira-discos. A noção de espetáculo sobrepondo-se à de arte.
            O "Super Stereo Demo" compôs sobre este conceito uma outra história do espetáculo que funciona já não no domínio do deslumbramento das aparências mas na articulação de diferentes referenciais de fruição lúdica. A visão/audição do intérprete que permanece uma hora sentado numa cadeira concentrado na ordenação de frequências sonoras no seu "laptop" não poderia estar mais distante de uma noção convencional de "espetáculo". As "novas demonstrações estéreo" são da ordem da virtualidade. Trata-se agora da abertura de novos canais de sensibilidade do sujeito que ouve. Não são os gira-discos, nem os leitores de CD que operam em canais estéreo ou quadrifónicos – é a nossa cabeça a receber em direto os programas e a sintonizar a infinidade de canais. Basta carregar no comando à distância e fazer a seleção.

PARA ABRIR O PROGRAMA, SELECIONAR…

HOJE

Soundtrap
Nuno Leão e Pedro Lourenço. Processamento de sinais, códigos binários, arritmias, frequências perigosas. Construção de ambientes. Vale dizer: de sonhos.

Random Inc.
Sebastian Meissner. "Input" analógico via John Cage e Iannis Xenakis. Auto-estradas minimais desenhadas por Steve Reich. Mistura com tons digitais na criação de experiências de entrada e saída nos labirintos da manipulação onde a matemática, a psicoacústica e o aleatório se combinam. O álbum chama-se "Jerusalem: Tales outside the Framework of Orthodoxy".

Zzzzzzzzzzzzzzzzzp!
Miguel Sá e Miguel Carvalhais. Dezassete "z" em português para o zumbido eletrónico do inconsciente. Recentemente deixaram-se fotografar no cenário de massacre dos Coil. Pelo que será aconselhável levar para a ZDB um programa anti-vírus.

Curd Duca
Alemão e "bricoleur" de pequenos fragmentos de celulóide sonoro. Os vários volumes das séries "Easy Listening" e "Elevator Music" que tem editados contêm uma coleção bastante completa de testes de avaliação. Marque-se uma cruz e siga-se viagem.

Major Eléctrico
Pedro Santos e José António Moura. Aparentemente djs. Mas não como os outros. Alguém, da imprensa de fora, fez notar o distanciamento da pose em contraste com a fornalha dos sons. "Cortes digitais, explosões de sensualidade, súbitas citações de pedaços muito valiosos da história da música sintética dos últimos 25 anos."

SÁBADO

Bizz Circuits
Outra vez Sebastian Meissner, com outra máscara, desta feita para operar "a desconstrução irónica da música pós-digital", através do recurso aos velhos vinilos lá de casa, de Ornette Coleman aos Metallica, passando por Bach.

Twokindermen
António Contador e Nuno Antunes. O PC como máquina de afetos e ilusionismo. "Menos é mais" – dizem – e "leite e chocolate é para os maricas".

@c + Lia
Miguel Carvalhais, Pedro Tudela e Pedro Almeida. Powerbook. Deus digital é o chefe de secção do escritório.

Nova Huta
O circo eletrónico do Leste desce à cidade, trazido por Reznicek e o seu "tio-clown", Vratislav "Bambij" Robot. O triunfo do "retro" num número de humor e surpresa semelhante ao apresentado no CD "At Bambij Robot Nonstop Datscha".

Trash Converters
Djs Fernando Fadigas e Miguel Sá. Recauchutagem dos hits da electropop dos anos 80 e da "new electro" e "sexy beat" da atualidade. O seu top 25 inclui os OMD, Section 25, The Associates, The Human League, Gary Numan, Ultravox, Flying Lizards, SPK, Buggles, Residents, Kraftwerk, Le Tigre e Electronicat.

Lisboa,
Galeria Zé dos Bois
A partir das 21h30. Tel. 213430205. Bilhetes a 10 euros (7,5 para sócios do ZDB), para um dia. 15 euros (10 para sócios da ZDB), para os dois dias.
www.cronicaelectronica.org/variz/superstereo

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