Pop
Rock
28 ABRIL
1993
WORLD
ANÚNA
Anúna
CD Danú, distri. VGM
Ainda mal se extinguiram os ecos de “Vox de Nube” e já
outras vozes se levantam em coro numa catedral, agora dos Anúna, formação de 16
músicos (embora possam apresentar ao vivo um grupo com menos elementos) sob a
direção de Michael McGlynn, cujo reportório incide maioritariamente na música
da tradição celta irlandesa, da Idade Média a compositores contemporâneos.
Surgidos na Irlanda em 1989, os Anúna – nome
correspondente ao irlandês antigo “An Uaithne”, o deus bom tocador de harpa –
contam já no seu currículo atuações ao lado de Máire Ní Bhraonáin (Clannad),
Liam O’Flynn e, hélas, Noirin Ní Ríain, essa mesma, a voz celestial de “Vox de
Nube”. Michael McGlynn gosta de compor peças, ao estilo épico mais acessível,
com nomes sugestivos – “Media Vita”, “Invocation”, “Carmacus Scripsit” – e de
pôr o coro a cantar em igrejas, onde a acústica do espaço resulta sempre quando
se trata de levantar a voz ao céu. Em “Anúna” é o que mais uma vez acontece – 15
vozes mistas agregadas na sublime missão de nos fazer ascender à morada dos
deuses.
A primeira impressão que se desprende é de
majestosidade. De luminosidade de vitrais. De diálogo com o transcendente.
Neste aspeto, “Anúna” soa até, num primeiro contacto com a música, mais bonito
que “Vox de Nube”. Só que “mais bonito” não significa forçosamente “mais belo”.
É que em “Vox de Nube” existe a profundidade da liturgia enquanto que dos Anúna
ressalta amiúde a sensação de vozes deslumbradas pela reverberação, confundidas
em autocontemplação, em diálogo ao espelho consigo mesmas e menos com o divino.
Até ao nível da instrumentação é perceptível a diferença existente entre os
dois discos, se compararmos as vibrações de uma sanfona e as “drones” de um
órgão indiano, de “Vox de Nube”, com os chilreios e fantasias de um “tin
whistle”, de um violino ou de uma harpa, em “Anúna”.
“Vox de Nube” exige mais do auditor. É nuvem mas
também sangue. “Anúna” mostra um azul mais límpido – o azul sem mácula do tema
“The blue bird”, sobre um texto de Mary Coleridge que descreve uma visão: “Um
pássaro azul, num céu azul, sobre um lago azul” – mas destituído do drama e da
dilaceração que toda a ascese necessariamente comporta. Leva-nos, sem dúvida,
pelo ar, a ver paisagens de uma perspectiva superior. Mas não tão alto que faça
perder de vista a Terra.
Feitas as comparações, “Anúna” é um objeto de sedução
imediata. Prisma refrator de sonhos e imagens que percorrem o quadro anímico
que consentimos em chamar “celta”. Um passeio pela Idade Média sublimada, da
música de um abade do século XII a um “Sanctus” escrito por McGlynn, evocativo
de uma Idade que nos ensinaram ser das trevas, mas que é infinitamente mais
luminoso que a escuridão do século em que vivemos, passando por um exercício de
“mouth music”, ou “puirt-a-beul” (“Fionnghuala”, segundo a versão dos Bothy
Band incluída em “Old Hag you have Killed me”, aqui quase contrária no
espírito), e por um hino de St. Godric, também do século XII, uma das primeiras
composições cantadas em língua inglesa.
“Anúna” renova a viagem de “Vox de Nube”, desta vez
não ao sétimo mas ao quinto, vá lá, ao sexto céu. (8)
P.S.
– Prestes a sair um álbum novo dos Patrick Street, em boa hora ressuscitados.
Atenção: encontram-se à venda, na Voz do Operário, vários exemplares da caixa
com três álbuns, livro e coleção de “slides”, “Instrumentos Populares Galegos”,
dos Obradoiro.
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