Pop Rock
9 de Outobro
1991
SONHOS DO PASSADO
RICKIE LEE
JONES
Pop Pop
LP/MC/CD, Geffen, distri. BMG
Sonhos de um dia de Verão.
Rickie Lee Jones, a “cowgirl” voadora, regressa com um álbum luminoso como se,
de súbito, se revelasse a felicidade. Produzido pela própria e por David Was
(dos Was Not Was), “Pop Pop” prescinde do superficial e programa os comandos
para o coração do sol. A gravação, feita com um mínimo de “takes” num estúdio
artesanal, procura recriar uma atmosfera intimista, ao ponto de a voz ter sido
captada, na maioria dos temas, ao vivo e em direto no estúdio. O acompanhamento
foi reduzido ao essencial e a uma componente exclusivamente acústica. Três
músicos fabulosos chegam para construir os alicerces “cool” de um universo
impermeável à eletricidades e às sonoridades da moda, de maneira a permitir à
vocalista viajar, com toda a facilidade, por um reportório que se estende dos
“standards” de jazz, a Peter Pan e aos delírios psicadélicos de Jimi Hendrix e
dos Jefferson Airplane: Charlie Haden, no contrabaixo, Robben Ford na guitarra
acústica de cordas de nylon e John Leftwich, na bateria.
A luz, essa escorre a cada
espira da voz, do saxofone de Joe Henderson e do bandoneon de Dinno Saluzzi (o
bandoneon “evoca outra era, talvez Paris nos anos 30, ou o espírito de Django
Reinhardt” – sugere Rickie, perdida na magia do sonho).
Até na escolha de canções, Rickie
Lee Jones apostou na diferença, remexendo em temas pouco conhecidos, à procura
de ambientes estranhos e de textos que lhe permitissem extrair da sua
interpretação um máximo de prazer. Ao longo das dez faixas que compõem “Pop
Pop”, a voz da cantora desliza com a “souplesse” e a emoção só ao alcance das
grandes cantoras de jazz, no fundo desmentindo um pouco o Pop do título, por
“standards” de Frank Sinatra (“My one and only love”) e Tin Pan Alley, nos anos
20 (“Bye bye blackbird”), por um musical obscuro da “beat generation” (“Spring
can really hang you up the most” e “The ballad of the sad young man”), ou por
uma fantasia de “Peter Pan” (“I won’t grow up”), juntamente com a psicadelia
dos Jefferson Airplane (“Comin’ back to me”) e Jimi Hendrix (“Up from the
skies”). A disparidade das canções serve para a cantora criar uma atmosfera
muito especial, como se pretendesse arrancar do passado uma “Brodway” onde
subitamente se confundissem todos os seus mitos.
Impossível permanecer
indiferente aos chilreios infantis, ao saxofone em estado de graça de Henderson
e ao swing irresistível de “Dat dere”. “I’ll be seeing you” é-nos sussurrado
diretamente ao coração, por uma voz arrebatada e pela surdina de um clarinete
(Bob Sheppard) entristecido, num encontro casual no café. Pungente, o violino
de Steve Kindler (Jan Hammer deu-o a conhecer, anos atrás, em “The First Seven
Days”, nos tempos gloriosos da Mahavishnu Orchestra), em “Second Time Around”,
composto nos anos 60 pela dupla Sammy Cahn/Jimmy Van Hausen. “I won’t grow up”
voa sobre telhados antigos, transportando-nos até à era arqueológica das 78
rotações. Na derradeira canção, “Comin’ back to me”, uma sanfona despede-se ao
longe, fazendo descer as cortinas sobre o ecrã onde, durante minutos, se
projetou o filme de um mundo transfigurado pela luz. ****
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