Pop Rock
22 de Agosto 1990
Como se sabe, ou devia saber-se, “morrem jovens
aqueles que os deuses amam”. Ao conceder-lhes o génio, em troca do sofrimento.
Nick Drake morreu jovem. O sofrimento mereceu-lhe da divindade o dom da escrita
de pequenas canções melancólicas, momentos mágicos guardados no íntimo de uns
poucos privilegiados que souberam sentir a imensa tristeza e beleza da
decadência e da solidão.
Gravou pouco em
quantidade: três discos de originais, agora reeditados. Música discreta,
arrebatada, sempre contida. Feita de sentimentos suaves, sonhos incompletos. A
paixão também arde em fogo lento.
Vivia-se a época eufórica e
idealista da música progressiva. Anos 70, no princípio. Eram os anos de todos
os Mozarts e Beethovens da música popular. Duplos álbuns conceptuais e
grandiloquentes, às vezes pretensiosos. “Rock sinfónico” foi o selo pomposo e
de mau gosto que arranjaram. Perdido no meio das vagas altaneiras dos
sintetizadores-maravilha e dos solos de meia hora, um rapaz nascido em Burma,
educado em Cambridge, compunha, tocava guitarra e cantava canções estranhas,
tristes, diferentes. Escutadas em público, pela primeira vez, nas primeiras
partes de concertos de artistas folk, como Ashley Hutchings e os Fairport
Convention.
Canções
da Depressão
Joe Boyd, da Island, reparou nele e
convidou-o a passar para disco as suas fantasias. Em 1969, era editado “Five
Leaves Left”, introspetivo, angustiado, comparado a “Astral Weeks”, de Van
Morrison. “Time Has Told Me”, “Day is gone”, “Fruit Tree”, títulos sugestivos
para canções frágeis e emotivas, por vezes com arranjos orquestrais em que, na
altura, poucos repararam, excetuando talvez as sensibilidades gémeas.
“Bryter Layter” sai no ano seguinte
e mostra Drake um pouco mais conciliado com a vida, pura aparência, escondendo
uma crescente depressão, compensada por sessões psiquiátricas e medicamentação
apropriada. Presentes no disco, alguns amigos: Richard Thompson, Dave Pegg e
Dave Mattacks, todos dos Fairport Convention, e John Cale. Discretas sugestões jazzísticas
suportando uma atmosfera sonhadora, única maneira que encontrou para fugir aos
tons sombrios da realidade concreta. Só John Martyn, seu colega na editora, se
aproximava das conceções musicais de Drake (e Tim Buckley, que também não
resistiu), mas, ao contrário deste, sabendo manter a distanciação necessária
entre a arte e a vida, vital para quem não aspira à condição de mártir. Algumas
canções: “Not that the Vibe Survives”, “Chime of a City Clock”, “Northern Sky”,
esta inspiradora dos Dream Academy, que lhe dedicaram “Life in a Northern
Town”.
Entre duas sessões
psiquiátricas, parte para Paris, onde compõe algumas canções para a cantora de
variedades Françoise Hardy, gravadas, diz-se, mas nunca editadas.
À
maneira dos românticos
“Pink Moon” (1972) apresenta os
sinais inconfundíveis da desolação. Sozinho à guitarra e ao piano para 25
minutos intensos, deixando testemunho da “arte de se destroçar”, para utilizar
a expressão com que Marc Almond tão bem soube definir certos estados de alma. “Things
behind the Sun”, “Pink Moon”, o sol e a lua, o ouro e a prata, o dia e a noite,
polos opostos e complementares de uma unidade que Nick Drake nunca logrou
alcançar. Encontrou-a na aniquilação e no retorno ao ventre original – à
maneira dos românticos. Núpcias derradeiras em que desposou a morte. Em
Novembro de 1974, tinha 26 anos, sucumbiu vítima de uma “overdose” de
medicamentos antidepressivos. Foram editadas compilações póstumas, como sempre
acontece quando uma estrela se apaga no firmamento: “Heaven in a Wild Flower”
(intitulada a partir do texto homónimo do poeta e visionário inglês William
Blake, reunindo os dois últimos álbuns), “Time of no Reply” (que inclui
misturas alternativas e alguns temas originais) e, finalmente, em 1986, “Fruit
Tree”, uma caixa contendo quatro discos que reúnem a totalidade da obra do
músico.
Joe Boyd, seu amigo de sempre, impôs
como condição para as reedições de todos os álbuns que estes nunca saíssem do
catálogo.
Recordamo-lo nos dias tristes e
chuvosos de Inverno. Escrevia canções. Num quarto iluminado por um sol que não
era o nosso.
NICK DRAKE
Five Leaves Left
Bryter Layter
Pink Moon
Heaven In A Wild Flower (compilação)
Reedição em LPs e CDs
Island
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