PÚBLICO
cultura TERÇA 11 ABRIL
1995
Festival
Intercéltico termina no Terço em delírio
Domingo
gordo
ALTO! PAREM as rotativas! O maior
espetáculo e o gordo com mais talento do universo estiveram no Intercéltico do
Porto! O espetáculo chama-se Four Men and A Dog e o gordo, Gino Lupari.
Arrasaram o Terço com o seu “cocktail” explosivo de música sem fronteiras e
humor. “It’s only folk and roll, but I like it!” O triunfo pertenceu uma vez
mais aos irlandeses.
Se,
como dissemos, os Skolvan escreveram na véspera uma das páginas douradas da
história deste festival, domingo, a fechar mais uma edição do Intercéltico, à
sexta, os irlandeses Four Men and A Dog escreveram um livro inteiro. O cinema
do Terço enlouquecu, contagiado pelo vírus de demência propagado por estes
quatro homens e um cão imaginário, sob a batuta de um gordo impressionante que
só por si deu um espetáculo à parte.
A
música dos Four Men and A Dog mistura as tradições norte-americana e irlandesa,
com um versão frenética do novo clássico “folk”, “Music for a Found harmonium”,
dos Penguin Cafe Orchestra, a batida do rock’n’roll e os “jigs” e “reels”
tradicionais. Convém esclarecer que um “jig”, para os Four Men and A Dog, é uma
coisa elástica que até pode ter um título como “Michael Jackson’s jig”. Uma
amostra desta combinação pode ser apreciada no último álbum da banda, “Doctor
A’s Secret Remedies”, do qual foram selecionados seis temas para o concerto.
Cathal
Hayden é um “fiddle player” do que engrenam da quinta velocidade para cima e só
param depois de rebentarem todas as cordas do arco. O segundo homem do arco,
Gerry O’Connor, não lhe fica atrás, mostrando-se ainda um endiabrado tocador de
banjo. As corridas que travaram entre si à desfilada, vão perdurar na memória
por longo tempo. Na guitarra, Kevin Doherty, foi obrigado a refrear um pouco o
entusiasmo, sob pena da sala se transformar em palco de um holocausto. E Gino
Lupari, o gordo imenso, com cara de criança, género Dom de Louise infinitamente
com mais piada? Gino é um portento no “bodhran” (instrumento de percussão
irlandês), um brontossauro de “swing”. Gino levou tudo à sua frente, acelerou
loucamente, ribombou nas peles, foi subtil nos “bones” (tocados como
castanholas), criou a plataforma rítmica para a loucura. Imagine-se 250 kilos a
emborcar cervejas, a perguntar entre dois temas pelo resultado do último jogo
do Manchester United – “há coisas mais importantes que a música!” –, a cantar
como um possesso o bom velho “rock ‘n’ roll” e a meter apartes simplesmente
hilariantes! Imagine-se ainda os mesmos 250 kilos com uma expressão de querubim
compenetrado, a tocar um sininho minúsculo! Ou a menear-se pelo palco, baixando
a alça do seu fato-macaco. 250 kilos de comunicabilidade com o público e
entrega total à música e ao espetáculo como nunca se viram em seis anos de
Intercéltico. Gino Lupari, os Four Men and A Dog, tocaram até não poderem mais.
O público sentiu que estava a viver um momento irrepetível. A Irlanda, uma vez
mais, venceu.
Na
primeira parte atuaram os Luar na Lubre, da Galiza. Uma bela atuação deste
octeto que apenas se pode queixar de ter tocado antes dos Four Men. Com uma
postura semelhante à dos Milladoiro e uma escolha de reportório que privilegiou
a vertente mais intimista – com lugar para um “an dro” bretão e um par de jigas
irlandesas –, os autores do recente “Ara-Solis” criaram uma atmosfera de
encantamento. E se a pureza da voz de Ana Espinosa não teve um som à altura já
Bieito Romero provou ser um gaiteiro de exceção, nas “muiñeiras” da praxe. Numa
delas, “Muiñeira de Malpica”, o mesmo Bieito fez a apresentação de Eduardo
Mendez, um novato que já é uma certeza entre a nova geração de gaiteiros
galegos, entrando ambos num empolgante duelo. Os Luar na Lubre cumpriram o que
deles se esperava, deixando no ar uma “moira soidade”.
Caído
o pano sobre o festival, cabe destacar mais uma vez a organização da MC – Mundo
da Canção, um aparelho que não falha, juntando o profissionalismo à excelência
das relações humanas. Razão por que os músicos passam palavra, fazendo da sua
participação no festival um ponto de honra. Todos querem voltar. E o Porto
ganhou mais uma lenda: Gino Lupari.
Sem comentários:
Enviar um comentário