Pop Rock
28 de Novembro 1990
O ENCOBERTO
PETER GABRIEL
Shaking the Tree
LP,
MC e CD, Virgin, ed. Edisom
De anjo teatral nos Genesis, Peter Gabriel passou a esconder-se, sozinho,
atrás do rosto, progressivamente deformado em cada capa de disco – desde a desfocagem
provocada pelo vidro molhado do primeiro álbum, até à criatura semi-humana do
quarto. A partir daí, a imagem deixou de seguir as lógicas da decomposição,
centrando-se ainda assim na energia implosiva do corpo, como em “Birdy”, a
neutralidade a preto e branco de “So” ou a abstração naturalista de “Passion”.
Neste novo álbum, o cantor aparece filtrado pela objetiva de Robert
Mapplethorpe. Vem referido na capa interior, porque a outra ainda não nos
chegou às mãos. Como quase sempre acontece com os discos de retrospetiva, a
escolha das canções obedece a critérios, sempre subjetivos, que em última
análise se pretendem fundamentados na popularidade radiofónica, preferindo-se
deste modo aquelas que mais facilmente seduzem o ouvido e se prendem à memória.
Para não tornar demasiado óbvio o processo, nada como intercalar pelo meio
alguns temas menos apelativos, mas de reconhecida importância em termos de
coerência artística. Já se sabe a quem se destina este tipo de produtos – a
todos aqueles que, por desconhecimento ou preguiça, sempre ignoraram a obra do
autor, resolvendo assim poupar tempo e dinheiro na compra de uma seleção já
digerida e pronta a consumir. Ganha o comprador, ganha a editora uns cobres
extra e ganha o artista alguma popularidade adicional, capaz até – quem sabe? –
de, numa próxima oportunidade, levar o preguiçoso (ou o pobre) a investir em
discos frescos, acabadinhos de sair. Integra este apanhado um bom lote de
canções, como não podia deixar de ser, dado o reconhecido talento do seu autor.
Do primeiro álbum: “Solsbury Hill” e uma nova versão de “Here Comes the Flood”,
apostando de novo apenas na voz e no piano de Gabriel. Do segundo, nada,
nicles, nenhuma. Se é certo não ser esta das obras mais conseguidas do
ex-Genesis, nem por isso uma faixa como “White Shadow” (fabulosa prestação
guitarrística de Robert Fripp) deixa de figurar ao lado das suas melhores de
sempre. Do disco n.º 3 constam “I Don’t Remember”, “Family Snapshot” e os
inevitáveis “Games without Frontiers” e “Biko”. Do n.º 4, talvez o seu melhor
até à data, foi escolhido, única e sintomaticamente, o mais comercial “Shock
the Monkey”. “So”, álbum em que Peter Gabriel se revelou menos inspirado do que
é costume, teve honras de ver incluídas quatro faixas: “Sledgehammer”, “Mercy
Street”, “Don’t Give up” (o tal em que se abraça muito a Kate Bush) e “Big
Time”. Acrescente-se, para completar, “Shaking the Street”, retirado de “The
Lion”, de Youssou N’Dour, para se chegar à conclusão de que, para o já citado
cliente comodista, se trata sem dúvida de um bom negócio. Para os outros, que,
desde a época de “Trespass”, têm acompanhado a carreira do músico, é inútil.
Entretanto, aguarda-se com expetativa o passo seguinte à tentação “new
age” de “Passion”. ***
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