Pop Rock
5 de Dezembro 1990
LP’S
FANTASIAS
EDIE BRICKELL & NEW BOHEMIANS
Ghost of a Dog
LP e
CD, Geffen, distri. WEA
O fascínio começa pela capa – a imagem, pintada à mão em tons antigos e
esbatidos, de uma casota de cão, abandonada, no mato das traseiras. Em frente,
roupa estendida ao vento. Título do álbum: “Ghost of a Dog”. Pressentem-se
fantasmagorias e bizarrias variadas, ainda por cima agora que nos deixámos
enfeitiçar pelos pesadelos luminosos e televisivos de David Lynch.
Tremem pois um pouco, as mãos, ao pousar o disco no prato – de excitação
e vontade de sentir arrepios auditivos. No final da primeira canção, aqueles
que se confrontam pela primeira vez com a voz de Edie Brickell, desconhecedores
do campeão de vendas que foi o álbum de estreia “Shooting Rubberbands at the
Stars”, sentem um baque e correm a verificar se não houve engano. É que a voz
parece decalcada de Suzanne Vega – o mesmo timbre incisivo e caloroso, altura e
projeção idênticas, criam a ilusão (perfeita, em canções como “He Said”, “Ghost
of a Dog” ou “Strings of Love”) de se tratar do canto daquela que em breve
atuará ao vivo entre nós.
Passado o impacte causado por tal semelhança, presta-se atenção às
canções e à música propriamente dita. Não espantam nem prendem de imediato. Há uma
discrição e uma profundidade que se captam somente após sucessivas audições,
deixando então antever imagens e alusões que, à primeira vista, não se
adivinham. Oculto na estrutura em forma de balada, por vezes de tonalidades
“country”, da maioria dos temas, encontra-se um elemento de estranheza que os
textos, de resto, se encarregam de reforçar – “I’m feeling feelings like I
never felt before,/ .../ ten thousand demons are scratchin’ at my feet,/ ten
thousand angels are flying through my heart,/ whispering secrets and tearing me
apart,/ ten million people close their eyes to sleep,/ ten million people pray
the Lord my soul to keep” (em “10.000 Angels”). Como a própria Edie acentua,
trata-se de um processo de auto-estimulação emocional, passado posteriormente
para o ouvinte recetor: “If you write something that interests you on an
emotional level, you can assume that it will do it to other people too”.
Os fantasmas vão naturalmente aparecendo. Instala-se aos poucos a
inquietação. Sugerem-se perversões que não julgaríamos possível existir,
sedimentadas no fundo da aparente tranquilidade à superfície, como a crueldade
latente no tema que dá título ao álbum, assombrado pelo fantasma de um cão
abandonado há anos pelos donos. Ou as pequenas maldades cometidas contra
pequenos animais marinhos, em “Me by the Sea”, que encerra com cores
psicadélicas um disco cujos segredos só aos poucos se deixam revelar. ***
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