09/08/2016

Dylan imparável [Bob Dylan]

Pop Rock
6 de Março 1991

A REEDIÇÃO ATÉ AQUI

            “Self-portrait”, duplo, 1970
            Discos de retorno ao naturalismo, da fase “pura” do compositor. Clássicos, como “Days of 49” e “Like a Rolling Stone”, e versões de temas de Paul Simon, Gordon Lightfoot e Everly Brothers. Uma lista infinita de convidados, que incluía os amigos The Band e Al Kooper. Na época, os críticos falaram em “desperdício de talento” e argumentaram que o duplo álbum nunca deveria ter passado de simples, mas nem por isso ele deixou de alcançar o primeiro lugar nos tops ingleses. Dylan considerou-o o seu próprio disco-pirata, numa altura em que os “bootlegs” das suas atuações mais inflamadas se vendiam a preço de ouro no mercado alternativo.

            “New Morning”, 1970
            Considerado um ensaio de regresso à grande forma, uns magros seis meses depois do dececionante “auto-retrato”. Era uma primeira fase de reconhecimento e de novas honrarias, de breve reconciliação com a crítica. Recapitulação de todos os géneros que previamente ajudaram a fazer a sua música: a “country” (“Winterlude”), os “blues” (“If Dogs Run Free”), os espirituais negros (“Sign on the Window”), os “rhythm’n’blues” (“One more Weekend”), o “gospel” (“Three Angels”). Iluminações que ficaram para a história como as eloquentes do seu período de recato.

            “Pat Garrett and Billy the Kid”, banda sonora, 1973
            Terceira incursão no mundo do cinema, após o documentário “Don’t Look Back” que registava a sua digressão inglesa, com Joan Baez e “Eat the Document”, telefilme que viria a ser rejeitado pela cadeia americana ABC. Não apenas como ator secundário, num papel espcialmente criado para ele, mas como autor da banda sonora do “western” de Sam Peckinpah. Dele faz parte o hino “Knockin’ on Heaven’s Door”, entoado por toda uma geração nostálgica de anteriores vivências “on the road”. Convidados especiais: Roger McGuinn, dos Byrds, e Booker T.

            “Dylan (a Fool such as I)”, 1973
            Coleção de misturas alternativas e versões rejeitadas de “self-portrait”. Um expediente para satisfazer uma procura que Dylan uma vez mais frustrava, passando desta feita os primeiros anos da década de 70 num silêncio só interrompido pela chamada de George Harrison ao concerto pelo Bangladesh, em 1971.

            “Blood on the Tracks”, 1974
            Amores falhados, divórcio, confusão, parece que tiveram um efeito benéfico sobre Dylan, que investiu ainda em maior profundidade nas palavras, como forma de exorcizar fantasmas. Há quem compare a qualidade destes poemas a “Blonde on Blonde” e “John Wesley Harding”. Álbum de ambientes folk, concedendo o espaço que é preciso à guitarra acústica e à respiração pausada dos poemas. Dylan canta aqui o amor e as cicatrizes que este deixa quando seca. Também um adeus comovido aos dias dourados dos “sixties”, quando havia “música, à noite, nos cafés, e revolução no ar” e o espanto diante daqueles que estão para vir.

            “Saved”, 1980
            Convertido ao cristianismo depois do álbum do ano anterior, “Slow Train Coming”, Dylan não deve ter convencido ninguém com esta sua (auto-)salvação. O segundo disco do “novo cristão” não vendeu – foi, aliás, o maior fracasso comercial da sua carreira. Três anos mais tarde, em espetacular golpe de rins religioso, reconsiderou e regressou às antigas crenças de judeu convicto. Na época de “Saved”, porém, Dylan chegou ao ponto de recusar tocar ao vivo canções do período “pré-cristão”. Na capa interior cita-se Jeremias, Capítulo 31. Os putos queriam era rock.

            “Real Live”, 1984
            Gravado ao vivo. Pouco importante quando comparado a “Live at the Budokan” ou “Before the Flood”. Versões de “Highway 61 Revisited”, “Tangled up in Blue” e “Master of War”. Guitarristas ilustres: Mick Taylor, dos Rolling Stones, e Carlos Santana (em “Tombstone Blues”). Dylan tinha já entrado no sistema da digressão permanente, alternando as velhas glórias com as novas insignificâncias.

            “Empire Burlesque”, 1985
            Rendição à modernidade. Depois de Mark Knopfler e antes de Dave Stewart e Daniel Lanois, a produção foi aqui confiada a Arthur Baker. Ainda a presença dos “sabidões” Sly Dunbar e Robbie Shakespeare e de membros da banda de Tom Petty, os Heartbreakers. Dylan procura, desde os finais dos anos 70, ser ele mesmo, inspirando-se na luz de sumidades posteriores. E com baker as coisas funcionaram ao ponto de este álbum ter sido o seu maior sucesso comercial da década de 80. Não obstou, porém, a que se multiplicassem as histórias que desancavam o mito. O que também não impede que Dylan continue a gravar e a tocar ao vivo. Vive num universo fechado e de difícil acesso. É um eremita em digressão permanente pelos estádios do mundo, esse género de paradoxo.


Estas críticas complementam um artigo de Luís Maio intitulado “Dylan imparável”

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