Pop
Rock
11
NOVEMBRO 1992
WORLD
UMA FONTE QUE NÃO SECA
BRIGADA VICTOR JARA
15 Anos de Recriação da Música
Tradicional Portuguesa
CD, Caravela, distri. UPAV
Houve um tempo áureo da música popular portuguesa. A
primeira metade dos anos 80 prometia a eternidade ou, pelo menos, um futuro
risonho para os bons grupos que então se entregavam, como diz o título deste
disco, “à recriação da música tradicional portuguesa”: Ronda dos Quatro
Caminhos, Almanaque, Raízes, Terra a Terra, Vai de Roda e Brigada Victor Jara.
Alguns ficaram pelo caminho. Outros, a determinada altura, seguiram por ínvios
atalhos, mais fáceis, talvez mais rentáveis. Sobraram dessa geração os Vai de
Roda, após um período de interregno, e a Brigada Victor Jara, que continua o
seu percurso de demanda de um graal oculto na matéria-prima das tradições
portuguesas. Os músicos da Brigada Victor Jara nunca se quiseram fazer passar
por puristas. Desde o primeiro disco, “Eito Fora”, de 1977, até ao mais
recente, “Monte Formoso”, de 1989, passando por “Tamborileiro” (1979), “Marcha
dos Foliões” (1982) e “Contraluz” (1984), sempre se dedicaram à tal
“recriação”, ou seja, ao aproveitamento de uma base tradicional sobre a qual
criaram, e continuam a criar, arranjos contemporâneos, uns mais do que outros, sem
contudo perderem o “espírito” tradicional. Conseguir ser atual e manter vivo
esse “espírito”, eis onde reside o segredo. O seus detentores sabem como evitar
o perigo da descaracterização e manter ereta a árvore. Pois sabem que as raízes
permanecem mas a folhagem pode mudar. Ao longo de 15 anos, passaram pela
Brigada mais de vinte músicos. As várias mudanças de formação não obstaram
entretanto à manutenção de um estilo e de uma linha de conduta exemplares. “15
Anos” reúne de facto alguns dos melhores temas da discorafia da banda, com
perdomínio da tradição nortenha (oito tradicionais transmontanos, um do Douro
Litoral, quatro das Beiras), somente uma canção do Alentejo e três dos Açores,
além dos “pregões” recolhidos e transfigurados pela Brigada numa original
evocação das vozes populares de uma cidade que já vai faltando. Canções e
instrumentais passam por ordem cronológica que, curiosamente, faz sentido,
trazendo à memória e ao presente outros tempos e outros costumes. Contam-se
histórias, afastam-se papões, fazem-se festas e baila-se numa terra não
dividida. As percussões granítcas dos bombos suportam os folguedos das
gaitas-de-foles. Sobre o palanque, no adro da igreja, alguém toca um acordeão,
um violino, uma flauta. E na dança os pares de raparigas e rapazes enlaçam-se
no círculo inquebrantável. O prazer casa-se com a religiosidade, a euforia
dionísica com a simplicidade e força apolíneas. A Brigada Victor Jara viaja
pelo Portugal que gostaríamos que permanecesse para sempre. Na sua música não
há nostalgia do passado porque nunca houve tempo perdido ou que ficasse
irremediavelmente para trás. Pelo contrário, as canções são eternas, tocadas
num adufe ou num sintetizador. Nunca seca, a água da fonte primeira. Em “15
Anos” não há momentos fracos e abundam os que ficaram para a história da música
portuguesa de raiz tradicional: “Ao romper da bela aurora”, “Marião”, “Ó menino
ó”, “Charamba”, “S. Gonçalo”, “Cantiga bailada”, “Faixinha Verde” ou um “Bento
airoso” inesquecível que talvez valesse a pena recuperar em novo arranjo que
deixasse de parte o saxofone. Para os incondicionais da Brigada (e até à data o
único disco da banda em compacto) ou para os apreciadores da música popular
portuguesa em geral, um disco de aquisição obrigatória. (8)
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