Pop Rock
5 de Fevereiro 1992
MENSAGENS TRAZIDAS PELO VENTO
Vozes, vidas, tentações. De mulheres que no passado abriram caminho ao
testemunho das gerações posteriores de “singer-songwriters”. Cada qual a seu
modo, ajudaram a libertar o universo feminino do “ghetto” cultural em que se
encontrava à entrada dos “sixties” e a dignificar o seu discurso. Algumas não
desistiram. Volvidas três décadas, tudo parece de novo fazer sentido.
JONI MITCHELL
Não
se pode dizer que tenha uma sensibilidade propriamente feminina. Pintora,
compositora e letrista de mérito, na sua obra concentra-se uma visão por vezes
elíptica que, se por um lado tem recolhido os louvores da crítica, por outro é
de molde a manter à distância os apetites das massas consumidoras, pouco recetivas
ao “living on nerves and feelings” que caracteriza a cantora. Bob Dylan,
Fairport Convention, Judy Collins, Tom Rush, Nazareth (!), Gordon Lightfoot,
Johnny Cash e Crosby, Stills & Nash gravaram canções suas. Começou na folk
(“Clouds”, “Ladies of the Canyon” e “Blue”, os álbuns mais representativos),
passando pelo jazz (“Hejira”, “Mingus”) e pelo experimentalismo eletrônico com
incursões étnicas (“The Hissing of Summer Lawns”), para desembocar numa
linguagem pessoalíssima, entre a ironia, o simbolismo e a auto-crítica. Dela se
costuma dizer que possui uma voz “gelada” e um estilo vocal com um ritmo e
métrica únicos, capazes das maiores ousadias formais. “Night Ride Home”,
editado no ano passado, assinala a fase de amadurecimento do seu gênio, agora
apto a comunicar com o gosto do grande público.
CARLY SIMON
Impressiona
pelos lábios, grandes e carnudos, e pela pose “sexy” evidenciada nas capas dos
discos. O que não quer dizer que não saiba cantar. “You’re so vain”
granjeou-lhe a popularidade que um talento razoável e uma sábia escolha de
ângulos fotográficos e anatómicos com que tem sabido gerir esse talento
conseguem manter na “crista da onda”. Pelo menos enquanto o corpo der para
tanto. Casou com James Taylor e marcou pontos em “hits” como “Nobody does it
better” (acreditamos) e “Coming round again”, das bandas sonoras de um episódio
de James Bond e de “Heartburn”, respetivamente. Contratou, para o elenco de um
dos seus “clips”, o ator Jeremy Irons e um mecânico de automóveis. A equipa dos
Brooklyn Dodgers elegeu-a como mascote. “Body and Soul” define de algum modo a
sua maneira de ser e a maneira como se entrega à arte. Mais “body” do que
“soul”, diga-se, em abono da verdade.
CAROLE KING
Nasceu
em Brooklyn, mas nenhuma equipa local a elegeu como mascote. Isto de misturar
música e deporto tem que se lhe diga. A idade também não ajuda. Carole vai nos
50, idade em que é de bom tom privilegiar o lado mais artístico da coisa. Do
seu currículo de “cantora-compositora” idónea constam façanhas como ter servido
de musa inspiradora a Neil Sedaka, ainda nos anos 50, em “Oh Carole” (a musa
gravaria pouco depois a resposta, em “Oh Neil”), três casamentos e um “hit”
meteorológico oferecido à sua ”baby sitter” Little Eva, “It might as well rain
until September”. Bandas que os nossos pais recordam com saudade, como os
Drifters, Chiffons e Herman’s Hermits copiaram-lhe com alguma frequência o
estilo. Foi só em 1970 que Carole King passou a andar nas bocas do mundo (ao
contrário de Carly Simon, que se presume tenha andado por outras partes), graças
a “Tapestry” e à célebre canção “It’s too late”, com 14 milhões de exemplares
vendidos. Como Joni Mitchell, Carole King faz parte do lote de artistas
pioneiros que, nascidos em plena era da Tin Pan Alley e com publicações na “Brill
Building”, acrescentaram o estatuto de “intérprete” ao de “compositores”.
LAURA NYRO
No
auge da sua criatividade deu pouco nas vistas, talvez porque na sua música
houvesse algo de excessivo que atemorizava o auditor. Álbuns como “New York
Tendaberry”, “Christmas and the Beads of Sweat” e “Gonna Take a Miracle” são
autênticos mergulhos no inferno e demonstrações de um estilo vocal entre o
intimismo desesperado e gritos de agonia que lhe valeram, pelo menos, o apreço
dos incondicionais de Janis Joplin. Retirou-se da música para se dedicar à
pesca, numa aldeia de Massachusetts. Quando regressou, já não era a mesma. Dos
tormentos de antanho sobravam réstias de uma síntese inusitada de “jazz”,
“soul” e “variedades”, perdida no deserto redutor das patetices “middle of the
road”.
SANDY DENNY
Uma
hemorragia cerebral provocada pela queda de uma escada pôs um fim precoce
àquela que foi uma das grandes vozes, se não mesmo a maior, do movimento a que
se convencionou chamar “folk revival”, em Inglaterra na passagem da década de
60 para a seguinte. Simon Nicol, guitarrista dos Fairport Convention, banda à
qual o nome de Denny ficará para sempre ligado, quando a ouviu pela primeira
vez em audição, comparou-a a um “copo lavado entre um lavatório de louça suja”.
“What we Did on our Holidays”, “Unhalfbricking” e o lendário “Liege and Lief”
constituem testemunhos comoventes do seu génio. Antes, Sandy Denny ajudara a
lançar a banda rival Strawbs, de Dave Cousins. “Who knows where the time
goes?”, perguntava nessa altura. Ninguém sabia. Com os Fotheringay, ao lado de
Ashley Hutchings e Trevor Lucas, seu futuro marido, gravou o álbum homónimo por
muitos considerado um marco do folk-rock britânico. A solo, “The North Star
Grassman and the Ravens”, “Sandy”, “Like and Old Fashioned Waltz” e o registo
ao vivo “Rendez-vous” reforçam a imagem de uma sensibilidade inquieta capaz de
transformar em gema cintilante cada balada a que a sua voz dava corpo, fosse um
tradicional inglês ou um “standard” de jazz. Passados três anos sobre o
regresso, em 1975, aos Fairport Convention, com “Rising for the Moon”, a
tragédia resolveu dar-lhe ouvidos e abrir-lhe as portas do céu.
Nota:
este texto complementa o artigo de Luís Maio “Feminino plural”
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