Pop
Rock
27
Setembro 1995
Abrigada nos clássicos
BRIGADA VICTOR JARA
Danças e Folias (9)
Ed.
Farol
não existe um som Brigada da mesma maneira que existe um som Vai de Roda,
um som Romanças, um som Ronda ou um som Realejo. Significa que falta personalidade
a uma das bandas, juntamente com os Almanaque e o G. A. C., mais antigas do
circuito folk nacional? A questão deve ser respondida a outro nível. A banda de
Manuel Rocha, Ricardo Dias e Aurélio Malva, para citar apenas três dos seus
principais solistas, tem vivido, desde o ano da sua formação, em 1975, do
coletivo. Ao invés da procura e apuramento de uma assinatura singular, a opção,
bem mais difícil, foi e continua a ser a de desenvolver um trabalho em
profundidade em torno das nossas raízes. Se em anos anteriores este trabalho
derivou para experiências de fusão, sobretudo em “Contraluz” e “Monte Formoso”,
que resultaram ocasionalmente desequilibrados, em “Danças e Folias” assiste-se
ao regresso a um certo classicismo, entendido – aliás, como referiu Manuel
Rocha na entrevista que concedeu a este suplemento na passada semana – como uma
postura mais próxima do formato tradicional da canção, que não das danças
propriamente ditas (jota, chula, llaço, fofa, mazurca, chote), neste caso
exploradas pelo seu lado mais intrinsecamente “musical”. A diversidade impera,
fazendo prova do vasto leque de possibilidades que a banda tem ao seu dispor,
ao mesmo tempo que de uma sensibilidade não confinada a fórmulas específicas ou
estereotipadas.
O lado mais céltico, transmontano (incluindo dois temas de Rio de Onor,
derradeira fortaleza comunitária, fiel aos ritmos e ritos da eternidade, oculta
da modernidade nas faldas das terras para lá dos montes...) que enceta o disco
esbarra ao quinto tema na surpresa de um dramatismo exacerbado, na vocalização
– muito perto do paroxismo – do convidado Zeca Medeiros, uma força da Natureza
à solta da sua ilha natal, S. Miguel, Açores. Uma mazurca palaciana, ainda
aberta às reminiscências célticas, é por seu lado perturbada por uma das grandes
canções do álbum, “Moda da zamburra”, canção de folia entoada no Entrudo, na
Beira Baixa. “O mineiro”, melodia estremenha da região de Torres Vedras
cruza-se com as síncopes e as modulações habituais na música da Bretanha, a
bombarda substituída pela ponteira de Aurélio Malva e o sax soprano de outro
convidado, Jorge Reis, a apontar para divertimentos bretões como os dos Gwendal
ou Ti Jaz.
Muito a propósito, a Brigada volta a saltar para Trás-os-Montes, para o
canto mirandês, o convénio das percussões e a chamada de veludo (nada frequente
no meio da rudeza rochosa destes lugares...) da gaita-de-foles, em “Faile
Cornudo”, outro dos temas em destaque em “Danças e Folias”. O violinista Manuel
Rocha mostra ser o Dave Swarbrick português no “Chote” muito Fairportiano que
se segue. “Donde vas” fecha em beleza, com um romance uma vez mais recolhido
nos silêncios escuros de Rio de Onor, iluminado pela voz de Margarida Miranda,
aqui assombrada pela mesma interrogação que traz suspensa Né Ladeiras em “Traz
os Montes”, e o longo solo de filiscórnio, imbuído de religiosidade e o
espírito barroco, de Tomás Pimentel. “Danças e Folias” aí está como exemplo
para os aprendizes de feiticeiro que julgam poder fazer num dia o que demora
uma vida a aprender.
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