Pop Rock
21 de Novembro 1990
AMÉRICA, AMÉRICA, PARA ONDE
VAIS?
EMMYLOU HARRIS
Brand New Dance
LP e
CD, Reprise, distri. WEA
JUDY COLLINS
Fires of Eden
LP e
CD, CBS, distri. CBS portuguesa
WILLIE NELSON
Born for Trouble
LP e
CD, CBS, distri. CBS portuguesa
Emmylou é mais ou menos jovem (41 anos, parece ter menos 20), muito
bonita e tem boa voz. Judy não é tão jovem (51 anos, parece ter menos 20), é
bonita e tem boa voz. Willie já não é nada jovem (57 anos, sem descontos), tem
barbas, pelos no peito e menos na voz. Desta vez Emmylou inventa novas danças,
Judy incendeia o paraíso e Willie não para de arranjar problemas. Cultivam os
três, ou cultivaram, a paixão pela América e pela “country music”. Todos eles
se acomodaram ao conforto do estatuto entretanto alcançado, interessados em
cultivar o bonito e o agradável em detrimento de ousadias que poderiam sair
caras. A bela Harris (de currículo já longo), rainha idolatrada do “country
rock” conta no ativo álbuns como “Pieces of the Sky”, “Elite Hotel”, “Luxury Liner”,
“Quarter Moon in a Ten Cent Hotel”, “Blue Kentucky Girl” e “The Ballad of Sally
Rose”, entre outros. Tocou e cantou com tudo o que é “cowboy” e “cowgirl”,
tendo integrado o Queenston Trio (mais tarde Twisted Sisters), ao lado de Linda
Ronstadt (como ela, um dos mais bonitos rostos da “country”) e Dolly Parton
(mais que ela, dos peitos mais avantajados da “country”). Emmylou Harris
serve-se da tradição rural como suporte de canções que, em muitos casos,
transcendem essa linguagem (já interpretou temas dos Beatles, Chuck Berry,
Simon and Garfunkel, Bruce Springsteen ou Donna Summer). Digamos que, embora se
sinta bem no campo, gosta de variar de traje e passear por lugares mais
citadinos. De resto, nestas novas danças, até nem se afasta em demasia dos cânones
do género, servindo com a sua voz calorosa canções que deslizam agradavelmente
pela superfície da alma, sem deixar traço, é certo, mas também sem a ofender. Willie
Nelson, seu companheiro habitual nestas andanças, ofereceu-lhe “Never be anyone
but you” e Bruce Springsteen “Tougher than the rest”. Em qualquer dos casos
não se notam grandes diferenças em relação aos restantes. O som, típico de
todos os produtos, como este, gravados nos estúdios de Nashville, enriquece-se
aqui à custa da harpa (harpa mesmo, não a habitual harmónica, por vezes
referida com a mesma designação) ou de arranjos para naipe de cordas, a cargo
da Nashville String Machine. “Brand New Dance”, o tema, é a pérola de um disco
que peca sobretudo pelo tom geral, demasiado morno e pouco aventureiro. Nele se
faz luz, graças a quatro dos principais nomes da folk irlandesa: Liam O’Flynn
(dos lendários Planxty) e Davy Spillane (ambos em gaita-de-foles e “tin
whistle”) e as cantoras Dolores Keane (que em tempos integrou os De Danann) e
Mary Black, nas harmonias vocais. Celtas cavalgando e iluminando a pradaria... **
Quanto a Judy Collins, mulher madura, nada e criada no pacifismo
Woodstock, autora de discos que só pelos títulos antecipavam já o movimento (o
segundo álbum, de 1962, chamava-se “Golden Apples of the Sun”), foi desde
sempre dada a suavidades intimistas, até porque a voz, muito doce, não se
revelava convincente no papel de contestatária (protestou na época, como toda a
gente, contra a guerra no Vietname, sendo até presa por isso, mas na prisão
devem-lhe ter pedido para cantar “Greensleeves” ou temas de “Música no
Coração”), então muito em voga. Ninguém diria que chegou a interpretar temas
retirados da peça “Marat/Sade”, encenada por Peter Weiss. Em
“Wildflowers”, cantou Jacques Brel, Brecht/Weill, Joni Mitchell e Randy Newman.
O azul oceânico transparente dos seus olhos levou Stephen Stills a
dedicar-lhe “Suite: Judy Blue Eyes”, gravado pelos Crosby Stills & Nash.
“Both Sides now” e, sobretudo, o arranjo para single do tradicional “Amazing
Grace” deram-lhe uma imagem de princesa amável e inofensiva que, por mais que
ela se esforce por parecer “dura” e provocante, a voz constantemente teima em
reforçar. Mesmo quando, como é o caso, quer pegar fogo ao paraíso, os anjos
todos sorriem, condescendentes, estendendo-lhe os fósforos, certos de que as
fadas de voz doce são incapazes de maldades (o formato CD inclui uma carta
dirigida a todos os homens de boa vontade, alertando para a desertificação do
Planeta). O fogo de Judy é outro, gelado, ardendo em combustão lenta. São
canções na aparência angelicais, escondendo mistérios e desejos de
transgressão: “Eu e o estrangeiro... / sabem, não costumo falar com estranhos,
/ sou uma pessoa recatada, / mas uma tempestade é sempre uma tempestade...”
(“The Blizzard”). Em “Fires of Eden”, por vezes, como em “Blue Velvet”, o azul
transparente (do céu ou de um olhar) esconde escuridões insuspeitadas. ***
Com Willie Nelson não há mistério nenhum. Lenda viva na “Grand Ole Opry”
de Nashville e do Texas inteiro, é bem capaz de estar já um bocado farto
(Willie desde os sete anos que escreve canções) de cowboyadas. Na “country” fez
tudo o que havia para fazer. Ganhou todos os galardões e o prestígio que havia
para ganhar. Agora é de moto (como na capa) e está a andar. Porque continua a
gravar discos constitui o único enigma. Talvez a paixão não esteja extinta,
mas, passados tantos anos, é um facto que as chamas, se ainda queimam, não se
sente nada. “Born for Trouble” ostenta o título só para enganar. Do som
Nashville (onde foi gravado), restam os tiques e o eco, substituídos por
xaropadas orquestrais sintéticas e vocalizações à Lionel Ritchie. Algumas boas
exceções, fiéis à “linha pura e dura”, como “Ain’t necessarily so” e “It’ll
Come to me” ou o “boogie” lento de “Born for Trouble”, não escondem que o que o
“rei” quer hoje é sopas e descanso. Ainda por cima, falta-lhe a fotogenia das
suas colegas mais novas. *
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