02/08/2016

Grateful Dead - Without A Net

Pop Rock
1990

GRATEFUL DEAD
Without a Net
LP triplo e CD duplo, Arista, distri. BMG

Aos veteranos do rock já não se pergunta quantos anos têm, mas sim quantas décadas. Pouco a pouco, o mundo da música tem-se transformado num imenso asilo para a terceira idade. Ninguém parece querer desistir do sonho dourado do rock ‘n’ roll. Não faltará muito até vermos sobre o palco, simpáticos gerontes, empunhando muletas eletrônicas, excitados, às voltas nas suas cadeiras de rodas com sintetizadores incorporados. Com Jerry Garcia e os Grateful Dead, o caso muda um pouco de figura. Embora os cabelos já sejam brancos, vêm longe os tempos da senilidade e do consequente ridículo. Será por tudo menos por razões materiais que se dão ainda ao trabalho de andar pelo mundo fora, provando a poeira da estrada. Não será bem assim, claro, mas decerto que ninguém os poderá acusar de se terem acomodado. Segundo Jerry Garcia, atualmente com 48 anos de idade, para os Grateful Dead “a música é ainda uma aventura” que não querem ver “transformada em algo de seguro, demasiadamente confortável”. Há nesta atitude uma convicção mística, de missão a cumprir, não fossem eles gurus incontestados do psicadelismo dos anos 60, mas agora sem auxiliares químicos extra. Mesmo assim, de vez em quando ainda lhes cortam as asas, ao proibirem concertos, sob a acusação de atraírem fauna humana atreita a consumos ilegais. A fama (atualmente sem proveito) já ninguém lhes tira.

Seja pela graça divina seja pela experiência proporcionada por 25 anos de carreira initerrupta, é um facto que qualquer concerto ao vivo dos Grateful Dead constitui sempre um acontecimento muito especial. Cria-se uma comunhão entre público e músicos, num ritual de sons e cores que atira com as cabeças para galáxias distantes. Por isso, a banda, hoje em dia, quase só grava discos ao vivo, procurando reproduzir no vinil ou no laser os seus habituais “happenings”, que chegam a ter a duração de quatro horas. Como neste caso, em que tudo flui como as águas de um rio que, embora já idoso, não perdeu a impetuosidade. Gravado em palcos da Europa entre Outubro do ano passado e Abril último, “Without a Net” demonstra até que ponto Jerry Garcia, Mickey Hart, Bill Kreutzmann, Phil Lesh, Brent Mydland (entretanto falecido) e Bob Weir são hoje uma formidável máquina de fazer música. As prestações de cada música desenvolvem-se com a fluência e a perfeição aparentemente só possíveis em registos de estúdio. Tudo encaixa no lugar certo, com uma facilidade espantosa. Tão espantosa que se torna difícil de acreditar que as longas sequências instrumentais, presentes no desenvolvimento de quase todos os temas, sejam improvisadas.
A improvisação é, de resto, uma das características imutáveis do estilo Grateful Dead, desde as “acid jams” da era psicadélica até às desbundas rigorosamente controladas do presente. E afirma Jerry Garcia: “Para nós, a improvisação não é uma opção, mas uma coloração, a nossa própria personalidade.” Nota-se isso, ao escutar temas com mais de um quarto de hora, como “Eyes of the World” (com a participação, nos saxes soprano e tenor de Branford Marsalis) ou o “medley” “Help on the Way/Slipknot/Franklin’s Tower”, em que o jogo das guitarras, das teclas e das percussões se desenrola como se dele dependesse a harmonia universal.
Partindo de referências como os blues (“Walkin’ Blues”), o reggae (“Looks like Rain”), os ritmos brasileiros (“Let it Grow”) ou “trompe l’oeil” melódico-fantasmáticos sugerindo “I can’t always get what you want”, dos Stones e “Walk on the Wild Side” de Lou Reed (respetivamente em “Feel like a Stranger” e “Slipknot!”), os Dead chegam sempre a lugares inusitados – brincadeiras formais jazzísticas (“Cassidy”), calipsos carnavalescos de “steel bands” interestelares (“Let it Grow”), abstrações apocalíptico-eletrónicas (“Victim of the Crime”), o “boogie-woogie” (“One more Saturday Night”) ou outros de impossível definição. “Enquanto novas portas continuarem a abrir-se à nossa frente e as pessoas derem valor às nossas descobertas, continuaremos a achar que estamos no caminho certo para chegar... a algum lado...” Quem somos nós para duvidar? ***

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