Pop Rock
1990
GRATEFUL DEAD
Without a Net
LP
triplo e CD duplo, Arista, distri. BMG
Aos veteranos do rock já não se pergunta quantos anos têm, mas sim
quantas décadas. Pouco a pouco, o mundo da música tem-se transformado num
imenso asilo para a terceira idade. Ninguém parece querer desistir do sonho
dourado do rock ‘n’ roll. Não faltará muito até vermos sobre o palco,
simpáticos gerontes, empunhando muletas eletrônicas, excitados, às voltas nas
suas cadeiras de rodas com sintetizadores incorporados. Com Jerry Garcia e os
Grateful Dead, o caso muda um pouco de figura. Embora os cabelos já sejam
brancos, vêm longe os tempos da senilidade e do consequente ridículo. Será por
tudo menos por razões materiais que se dão ainda ao trabalho de andar pelo
mundo fora, provando a poeira da estrada. Não será bem assim, claro, mas
decerto que ninguém os poderá acusar de se terem acomodado. Segundo Jerry
Garcia, atualmente com 48 anos de idade, para os Grateful Dead “a música é
ainda uma aventura” que não querem ver “transformada em algo de seguro,
demasiadamente confortável”. Há nesta atitude uma convicção mística, de missão
a cumprir, não fossem eles gurus incontestados do psicadelismo dos anos 60, mas
agora sem auxiliares químicos extra. Mesmo assim, de vez em quando ainda lhes
cortam as asas, ao proibirem concertos, sob a acusação de atraírem fauna humana
atreita a consumos ilegais. A fama (atualmente sem proveito) já ninguém lhes
tira.
Seja pela graça divina seja pela experiência proporcionada
por 25 anos de carreira initerrupta, é um facto que qualquer concerto ao vivo
dos Grateful
Dead constitui sempre um acontecimento muito especial. Cria-se uma comunhão
entre público e músicos, num ritual de sons e cores que atira com as cabeças
para galáxias distantes. Por isso, a banda, hoje em dia, quase só grava discos
ao vivo, procurando reproduzir no vinil ou no laser os seus habituais
“happenings”, que chegam a ter a duração de quatro horas. Como neste caso, em
que tudo flui como as águas de um rio que, embora já idoso, não perdeu a
impetuosidade. Gravado em palcos da Europa entre Outubro do ano passado e Abril
último, “Without a Net” demonstra até que ponto Jerry Garcia, Mickey Hart, Bill
Kreutzmann, Phil Lesh, Brent Mydland (entretanto falecido) e Bob Weir são hoje
uma formidável máquina de fazer música. As prestações de cada música
desenvolvem-se com a fluência e a perfeição aparentemente só possíveis em
registos de estúdio. Tudo encaixa no lugar certo, com uma facilidade espantosa.
Tão espantosa que se torna difícil de acreditar que as longas sequências
instrumentais, presentes no desenvolvimento de quase todos os temas, sejam
improvisadas.
A improvisação é, de resto, uma das características imutáveis do estilo Grateful Dead, desde as “acid jams” da era psicadélica até às desbundas rigorosamente controladas do presente. E afirma Jerry Garcia: “Para nós, a improvisação não é uma opção, mas uma coloração, a nossa própria personalidade.” Nota-se isso, ao escutar temas com mais de um quarto de hora, como “Eyes of the World” (com a participação, nos saxes soprano e tenor de Branford Marsalis) ou o “medley” “Help on the Way/Slipknot/Franklin’s Tower”, em que o jogo das guitarras, das teclas e das percussões se desenrola como se dele dependesse a harmonia universal.
Partindo de referências como os blues (“Walkin’ Blues”), o reggae (“Looks like Rain”), os ritmos brasileiros (“Let it Grow”) ou “trompe l’oeil” melódico-fantasmáticos sugerindo “I can’t always get what you want”, dos Stones e “Walk on the Wild Side” de Lou Reed (respetivamente em “Feel like a Stranger” e “Slipknot!”), os Dead chegam sempre a lugares inusitados – brincadeiras formais jazzísticas (“Cassidy”), calipsos carnavalescos de “steel bands” interestelares (“Let it Grow”), abstrações apocalíptico-eletrónicas (“Victim of the Crime”), o “boogie-woogie” (“One more Saturday Night”) ou outros de impossível definição. “Enquanto novas portas continuarem a abrir-se à nossa frente e as pessoas derem valor às nossas descobertas, continuaremos a achar que estamos no caminho certo para chegar... a algum lado...” Quem somos nós para duvidar? ***
A improvisação é, de resto, uma das características imutáveis do estilo Grateful Dead, desde as “acid jams” da era psicadélica até às desbundas rigorosamente controladas do presente. E afirma Jerry Garcia: “Para nós, a improvisação não é uma opção, mas uma coloração, a nossa própria personalidade.” Nota-se isso, ao escutar temas com mais de um quarto de hora, como “Eyes of the World” (com a participação, nos saxes soprano e tenor de Branford Marsalis) ou o “medley” “Help on the Way/Slipknot/Franklin’s Tower”, em que o jogo das guitarras, das teclas e das percussões se desenrola como se dele dependesse a harmonia universal.
Partindo de referências como os blues (“Walkin’ Blues”), o reggae (“Looks like Rain”), os ritmos brasileiros (“Let it Grow”) ou “trompe l’oeil” melódico-fantasmáticos sugerindo “I can’t always get what you want”, dos Stones e “Walk on the Wild Side” de Lou Reed (respetivamente em “Feel like a Stranger” e “Slipknot!”), os Dead chegam sempre a lugares inusitados – brincadeiras formais jazzísticas (“Cassidy”), calipsos carnavalescos de “steel bands” interestelares (“Let it Grow”), abstrações apocalíptico-eletrónicas (“Victim of the Crime”), o “boogie-woogie” (“One more Saturday Night”) ou outros de impossível definição. “Enquanto novas portas continuarem a abrir-se à nossa frente e as pessoas derem valor às nossas descobertas, continuaremos a achar que estamos no caminho certo para chegar... a algum lado...” Quem somos nós para duvidar? ***
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