Pop Rock
17 de Outubro 1990
Julho, 13
LP
duplo e CD, Edisom
GNR
In Vivo
LP
duplo e CD, EMI-Valentim de Carvalho
São sobreviventes. São os dois que ficaram do tempo das iniciais: CTT,
NZZN, TNT, lembram-se? Era a grande balda, a grande paródia. Duas guitarras,
baixo e bateria chegavam para se gravar um disco. Assaquem-se as
responsabilidades a Rui Veloso, que ainda hoje se deve estar a rir. Na época,
UHF e GNR eram dois de entre tantos grupos que passaram pelo “Rock em Stock”,
como toda a gente. UHF e “Jorge Morreu”, “Cavalos de Corrida”, “Rua do Carmo”,
hinos entoados com entusiasmo por uma juventude que num ápice descobria que a
música rock afinal não vinha só da estranja e que era possível encontrar entre
portas o escapismo ideal para as suas angústias suburbanas. Porque era nos
subúrbios, primeiro em Almada, depois nos arredores das restantes cidades, que
respirava a alma coletiva dos UHF. Os GNR eram diferentes: “Espelho Meu” e “Sê
um GNR” aliavam o narcisismo a uma subtil provocação. Onde os UHF apostavam
desde o início num rock duro e “quadrado”, a banda de Vítor Rua escolhia a pop
mais melodiosa, então ainda assimilada de forma incipiente. Com a chegada de
Rui Reininho, tudo mudaria de figura.
UHF e GNR, ou vice-versa, para não ferir suscetibilidades, passaram, ao
longo de dez anos, por fases boas e más. Houve crises, zangas, acidentes,
discos de ouro, fracassos, grandes espetáculos, bailes de província,
“apoteoses”, sempre adiadas, no estrangeiro. Entraram músicos, saíram músicos.
Alexandre Soares, o mais recordado nos GNR. Renato Gomes, nos UHF. Ambos os
grupos, independentemente da qualidade musical intrínseca do seu trabalho,
souberam atravessar uma década mais ou menos incólumes. Gravando discos e,
proeza das proezas, conseguindo, a dada altura, viver apenas desse trabalho.
Instinto de sobrevivência só traduzido realmente em vida de facto, quando
acompanhado pela tal qualidade, separadora do trigo e do joio. Dito de outro
modo: A lei da selva em que sobrevivem os aptos e morrem os fracos e azarados,
que o fator sorte também conta nestes casos. Evoluíram de forma diferente.
Enquanto os UHF se mantiveram sempre fiéis a uma determinada linha, um rock de
intervenção filtrado pelas vivências pessoais do seu líder incontestado,
António Manuel Ribeiro, os GNR fizeram da heterogeneidade e surpresa constante
o seu cavalo de batalha – entre “Espelho Meu”, “Avarias, “Hardcore” ou “Dunas”
não existe rigorosamente nada em comum senão o inconfundível estilo vocal de
Rui Reininho.
António Manuel Ribeiro e Rui Reininho são hoje, sem sombra de dúvida,
duas das figuras de proa do rock ou da pop que por cá vamos tendo. Tão
diferentes um do outro como um planeta de uma estrela. AMR (António Manuel
Ribeiro) é o planeta, duro e sólido. RR (Rui Reininho) é a estrela, frágil e
faiscante. AMR é Jim Morrison, voz rouca e monocórdica. RR é Bryan Ferry, ágil
e amaneirado. AMR de há anos para cá que usa o mesmo corte de cabelo comprido,
é anos 70, não liga ao “look”. RR usa cabelo curto e penteado, todo “style”, é
pós-moderno, anos 80. Ambos são poetas, por assim dizer, mas enquanto AMR fala
de coisas concretas e diretas como a “rua do Carmo”, “na tua cama” e “noites
lisboetas”, com a convicção de quem quer mudar o mundo, RR, pelo contrário,
esconde-se em trocadilhos e estrangeirismos ambíguos. Parece estar-se sempre
nas tintas para tudo e a fazer cinema: “(Um chamado) eléctrico desejo”, “Morte
ao Sol”, “Hardcore (1º escalão)”, “Vídeo Maria”. AMR ataca sempre de frente: É
contra a tropa, defende com unhas e dentes as relações heterossexuais (de
preferência numa cama que parece ser o lugar mais indicado para estas coisas),
militante do rock que considera como “uma forma de vida”. RR não leva a sério
nem sequer as suas próprias convicções. Quando diz que quer ver “Portugal na
CEE” há quem acredite. Há rapazes na brincadeira, sobre as “dunas”. Provoca com
um ar inocente. É capaz de afirmar a pés juntos que “Vídeo Maria” apenas diz
respeito a uma tal Maria Isabel que até é sua amiga. Sobre o palco AMR é a
imagem do rocker adulto, de guitarra ao ombro e dedo apontado ao “inimigo” –
porta-voz de legiões de adolescentes que o idolatram sem reservas, espécie de
messias com uma mensagem a transmitir. RR dança, é faz-tudo, representa sobre o
palco mil personagens, ri-se muito, contradiz-se constantemente, como uma
criança. AMR é cerveja e Incrível Almadense. RR é “bourbon” e Coliseu. AMR é
UHF. RR é GNR (desculpa lá Vítor). “Julho, 13” e “In Vivo” são duas formas
diferentes de se ser português, músico e bem sucedido. Representam como que a consagração
das duas bandas nacionais que mais fizeram por vencer, à custa de muita
incompreensão e de comer o pó da estrada.
Os discos, ambos duplos, não são melhores nem piores que os anteriores de
estúdio. Incluem os temas que tornaram conhecidas as bandas respetivas, e que
mais se venderam: “Efectivamente”, “Dunas”, “Hardcore”, “Bellevue”, “Vídeo
Maria” ou “Valsa dos Detectives” (GNR); “Cavalos de Corrida”, “Rua do Carmo”,
“Rapaz Caleidoscópio”, “Noites Lisboetas”, “Estou de Passagem” ou “Este Filme”
(UHF). Todos os músicos participantes sabem do seu ofício e em ambos os discos
é audível a participação eufórica do público. Excitação, energia,
identificação, reconhecimento das canções. Objetos obviamente dirigidos ao
consumo das massas. “Julho, 13” e “In Vivo” são também o exorcizar dos
fantasmas do passado. Mas, se com a banda de Almada o tom é de pacificação, com
a participação, nos três temas que preenchem a totalidade do terceiro lado, dos
ex-UHF e seus fundadores, Renato Gomes, Carlos Peres e Zé Carvalho, em relação
aos GNR o álbum marca a ferro e fogo o polémico conflito mantido entre os
atuais membros da banda e o seu fundador Vítor Rua, num caso legal que se vem a
arrastar sem que se vislumbre uma solução. Guerra e paz, nas águas mornas do
meio discográfico nacional. *** / ***
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