CORTES
FINAIS DE UM REINADO CARMESIM
KING CRIMSON
The Essential King Crimson Frame
by Frame
4xCD,
E.G./Virgin, distri. Edisom
“The Essential King Crimson”
constitui um testemunho textual/musical de envergadura e um objeto de estudo
indispensável para a compreensão da música de uma das bandas mais importantes
das últimas décadas.
O objeto em questão começa por
impressionar pelo luxo da aparência: Uma caixa, à escala de um disco LP, que
inclui 4 CD, um livro de 64 páginas, profusamente ilustrado, que relata em
pormenor cada passo dos King Crimson ao longo de uma existência atribulada, e
uma folha com a árvore genealógica completa das várias formações lideradas por
Robert Fripp.
Os três primeiros compactos
correspondem, cada um, a fases específicas da banda; o último ficou reservado
para os registos ao vivo. Refira-se a ótima qualidade das prensagens,
conseguida através de novos “re-masterings” e da utilização de novas técnicas
de conversão digital.
A primeira fase corresponde ao
período compreendido entre 1969 e 1971, durante o qual os King Crimson gravaram
“In the Court of the Crimson King” (69), “In the Wake of Poseidon” (70),
“Lizard” (70) e “Islands” (71). Fase “sinfónica”, apoiada nos textos de Peter
Sinfield, contraponto poético ao demonismo desde sempre evidenciado pelo
guitarrista. O som era então dominado pelas vagas orquestrais do “mellotron”
sobre as quais a guitarra de Fripp flamejava.
De “In the Court of the Crimson
King” reuniram-se a paranoia urbana de “21st century schizoid man”, os “sinfónicos”
“Epitaph” e “In the court of the crimson king” e as baladas “I talk to the
wind” e “Moonchild”. Quanto ao álbum seguinte, “In the Wake of Poseidon”, há a
lamentar exclusão de três dos seus momentos fulcrais: “Pictures of a city”, que
prolonga de forma mais elaborada a loucura de “21st century…”, a solenidade
majestosa do título-tema e a sequência instrumental “The devil’s triangle”,
ilustrativo do tipo de energias que sempre alimentaram o guitarrista.
A opção, duvidosa (pese, embora, a
compilação ter sido organizada pelos principais interessados…), recaiu na
introdução declamada “Peace - a theme”, em “Cat food”, que vale pelo solo de
piano elétrico de Keith Tippett e “Cadence & cascade”, remisturada já este
ano, em que a voz de Adrian Belew substitui a de Gordon Haskell, no original.
“Groon” é referida como pertencente a este álbum, o que é falso, pois o tema
apareceu pela primeira vez no álbum ao vivo de 1973, “Earthbound”.
“Lizard”, para muitos o melhor álbum
da banda, sem dúvida o ponto culminante da sua etapa inicial, apenas teve
direito a um excerto remisturado de “Bolero”, extraído da longa “suite” que
ocupa todo o segundo lado do álbum. De fora ficaram os excelentes “Cirkus” e
“Indoor games”.
Polémica é a inclusão de “Ladies of
the road”, do disco seguinte, “Islands”, uma das brincadeiras muito do agrado
dos King Crimson, com lugar reservado em cada disco e a agravante de ser mal
vocalizado (por Boz. De resto, depois de Greg Lake, os King Crimson não
voltaram a encontrar um vocalista à altura). Bizarria por bizarria, antes
“Formentera lady”, longo crescendo instrumental apaziguado nos solfejos da
soprano Paulina Lucas. Indiscutível, o fabuloso desempenho de Fripp na
guitarra, em “Sailor’s tale”, embora o tema apareça cortado em cerca de metade
do tempo.
O volume 2 da coletânea,
correspondente aos anos de 1972 a 1974, é dominado pelo núcleo formado por
Fripp, Bill Bruford (percussões), John Wetton (baixo) e David Cross (violino).
“Lark’s Tongues in Aspic”, “Starless and Bible Back” e “Red” são os álbuns
gravados pelos King Crimson durante este período. Nada a apontar em relação aos
temas selecionados do primeiro, já que não faltam sequer os 18 minutos de folia
do título-tema. O mesmo em relação a “Starless”, com “Night watch”, “The great
deceiver” e “Fracture” presentes, o último amputado de alguns minutos. “Red”
tem a honra de apenas ver preterido um tema, “Providence”. Sem dúvida o álbum
culminante e mais duro desta fase. Guitarra, baixo e bateria num dilúvio de
eletricidade e violência.
Após um período de interregno de
oito anos – aproveitado por Fripp para desenvolver as suas “frippertronics” e
gravar as colaborações com Brian Eno, “No Pussyfootin’” e “Evening Star”, e, a
solo, a trilogia “Exposure”, “God Save the Queen/Under Heavy Manners”, “Let the
Power Fall –, os King Crimson regressam para a sua (até hoje) derradeira fase,
de 1982 a 1984.
“Discipline”, aqui recuperado quase
na íntegra (“Indiscipline”, o tema que falta, aparece em versão ao vivo no 4º
compacto), “Beat” e “Three of a Perfect Pair” dão a ouvir uma banda bem
“integrada” no seu tempo, que não dispensa as cadências “funky” e a batida das
caixas de ritmo. Adrian Belew dialoga com Fripp, na guitarra. A música perde em
intensidade e dramatismo o que ganha em acessibilidade e concisão. Passada a
era dos grandes épicos, as canções normalizam-se o que torna lícita qualquer
seleção de temas. O inédito que figura no final deste 3º compacto tem tanto de
divertido como se inesperado…
Para o fim, os registos ao vivo,
outra faceta de que os King Crimson sempre tiveram razões de queixa, porque
nunca se conseguiram libertar do estigma da má qualidade sonora. Mesmo em
formato digital, esse problema não desaparece, nos excertos de espetáculos
gravados em Inglaterra (1969, dois inéditos de estúdio: “Get the Bearings” e
“Travel Weary capricorn”), Amesterdão (1973), Frejus (1982), Montreal (1984) e
em Ashbury Park (de “U.S.A.”, 1975). “The Talking Drum” vem mencionado com a
duração de 29 min. 04 seg. em vez dos 8 min. 30 seg. reais).
Tendo em conta a inevitável
subjetividade que envolve qualquer tipo de escolha, a etiqueta “essencial”
torna-se no mínimo problemática. Anunciada como sendo a coletânea definitiva
dos King Crimson, “Frame by Frame” proporciona acima de tudo o prazer de
reescutar, em novo contexto e melhores condições, a música de uma banda que fez
História e a oportunidade de perspetivar, de forma sistemática e fundamentada,
a totalidade do seu percurso. (9)
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