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Terça-feira, 7 de Novembro de 2000
Fãs são recompensados em Lisboa por uma espera de 30 anos
Os Jethro
Tull estão como novos
Chamem-lhes os nomes que quiserem mas o concerto de
domingo, em Lisboa, dos Jethro Tull foi fantástico, um dos melhores do ano. Aos
32 anos estão como novos. Grande música e show de Ian Anderson, um animal de
palco. Além do coelho que também apareceu.
Alheios à passagem do tempo e aos ditames da
moda, os Jethro Tull prosseguem imperturbáveis o seu caminho como se nada de
importante se tivesse passado nas últimas três décadas de música popular.
Aconteceram muitas coisas, como é evidente, mas para este grupo que nos anos 70
dignificou, e de que maneira, o “amaldiçoado” rock progressivo, o mais
importante continua a ser a manutenção da identidade e o gozo de tocar a música
em que acreditam. Para os fãs que esperaram todo este tempo para ver os seus
ídolos e que no domingo preencheram em quantidade razoável o imenso Pavilhão
Atlântico, em Lisboa, a espera não foi em vão.
Os Jethro Tull estão como novos. Ian Anderson,
então, abusou. Aos 53 anos, se é verdade que a voz já não chega com a mesma
facilidade aos agudos como na juventude, é um espanto verificar como conservou
intactas as qualidades de flautista. O duende dos Tull solou com génio e com
fartura, a brincar – ao cantar e emitir toda a espécie de ruídos e onomatopeias
através da flauta – ou como um concertista para quem o instrumento não tem
segredos. O resto do grupo deu um exemplo de profissionalismo, mas foi Anderson
quem recompensou o público de uma espera de 30 anos.
Depois de uma primeira parte assegurada com
brio pelos Corvos, que cada vez mais se assemelham a uma versão portuguesa dos
Apocalyptica, com fulgurantes arranjos e fogosas execuções em violinos e violoncelo
de temas dos Xutos e Pontapés, “You really got me”, dos Kinks, ou o tema dos
filmes de James Bond, os Jethro Tull tomaram conta do palco, às dez em ponto,
como estava previsto.
Só para
cotas? Nem pensar
Arrancam com um par de temas de “Stand Up”, de
1969, “For a thousand mothers” e “A new day yesterday”, e quando Ian Anderson
faz a primeira apresentação da noite, percebe-se que a noite está ganha:
“Começámos com um par de temas antigos, de 1969, mas vamos tocar coisas mais
recentes, como este de 1972…”. É “Thick as a Brick”, a tal “mãe de todos os
álbuns conceptuais”, executado parcialmente mas com tudo no sítio em que estava
há 28 anos atrás, logo seguido que um enorme salto no tempo, até à atualidade
do novo álbum “JTull.dot.com”, num tema sobre “gatos”.
Estava dado o mote: boa música, descontração e
um impressionante “one man show” de Ian Anderson.
“Bourée”, de J.S. Bach, é enunciado como um
tema com “300 anos de idade, quase tão velho como alguns dos elementos do
grupo”. “Budapest”, do álbum “Crest of a Knave”, antecede duas composições em
registo de “world music” extraídas do mais recente álbum a solo de Ian
Anderson, “The Secret Language of Birds”, a primeira tocada em instrumentos
tradicionais e noutros mais ou menos, como uma buzina apertada com solenidade
pelo teclista, seguida de um “Habanera reel” em tom irlandês.
Um medley com base em canções dos álbuns
“Songs from the Wood” e “Heavy Horses” arranca os fãs das cadeiras. A meio de
uma sequência instrumental mais complexa, novo “gag”. Ouve-se um telemóvel a
apitar. A música para e Anderson atende: “Agora não posso! Estou a meio de um
concerto!”.
No pavilhão há quem, ao reconhecer cada
canção, salte dos lugares, levante os braços e aplauda com berros de
incitamento, como uma claque de futebol. “Too old to rock’n’roll, too young to
die”, título que poderia constituir uma divisa na carreira dos Jethro Tull, faz
levantar ainda mais as vozes e o entusiasmo. Durante “Hymn 43”, do álbum
“Aqualung”, um coelho invade o palco e simula o ato sexual com o respeitável
guitarrista Martin Barre, além de Ian Anderson o único músico da formação
original do grupo que tocou em Lisboa e ontem no Coliseu do Porto. “Living in
the past” arranca mais gritos de excitação e “Locomotive breathe”, de
“Aqualung”, fecha em apoteose um concerto onde a energia, o gozo de tocar e a
comunicação com o público foram uma constante.
Já no “encore”, um pacote condensado de temas
de “Aqualung”, a assistência é presenteada por Ian Anderson com dois enormes
balões brancos e fica no pavilhão a brincar. Foi neste clima de festa que
encerrou a há muito esperada estreia ao vivo dos Jethro Tull em Portugal. Só
para “cotas”? Nem pensar. À saída não eram poucos os jovens que, ainda mal
refeitos da surpresa, comentavam: “Epá, aquelas melodias são baris!” e “os
tipos tocam de verdade!”.
Ah, sim, e Ian Anderson ainda se aguenta nas
calmas a tocar apoiado numa perna só.
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