Sons
11
de Julho 1997
Reedição
dos primeiros álbuns a dois
Balada
de John e Yoko
Yoko
Ono destruiu os Beatles. Esta é, pelo menos, a opinião de Paul McCartney. Seja
qual for, porém, o papel desempenhado pela japonesa na dissolução dos fabulosos
quatro, Ono considerava-se uma artista. A questão que se colocava, então, para
ela era como dar a conhecer isso, sendo casada com um deles. A reedição em CD
dos quatro álbuns gravados por Ono com John Lennon explica, entre outras
coisas, o efeito devastador provocado pela união musical deste casal
“kamikaze”.
“Unfinished
Music No. 1: Two Virgins” (1968), “Unfinished Music No. 2: Life With The Lions”
(1968), “Wedding Album” (1969) e “Plastic Ono Band” (1970) constituem o
primeiro pacote de remasterizações, reeditadas pela MVM, aumentadas com temas
extra e fotos inéditas, da obra gravada do casal Lennon & Yoko.
Na
época em que surgiram, no final dos anos 60, ou seja, imediatamente antes da
dissolução dos Beatles, estes trabalhos surgiram à revelia da estética geral
que caracterizava o final da década, na transição do psicadelismo para o
progressivo. Experimentais, herméticos, nalguns casos no limite do ridículo, os
quatro álbuns agora reeditados representam, em simultâneo, a afirmação de Yoko
Ono, enquanto “performer”, em transição do gueto das vanguardas para o
expositor privilegiado da música pop, ao mesmo tempo que a subjugação de John
Lennon à voracidade artística da sua mulher.
Yoko
Ono, antes de se tornar a senhora Lennon, tinha já um passado de artista
radical, feito de sucessivas “performances” em áreas diversificadas, como a
música, mas, sobretudo, no domínio da pura conceptualização. Em 1960, a sua linguagem,
recuperada quase três décadas mais tarde, pelos niilistas “punk”, tomava como
base o grito e o gesto e, principalmente, a organização e montagem de eventos
“multimedia” que partiam de instruções prévias para a criação de modelos
interativos. Tome-se como exemplo um destes trabalhos, coletados no seu livro,
publicado em 1964, com o título “Grapefruit”: “Bata com a cabeça numa parede”.
“Sim!”
Era
óbvio que obras de arte deste tipo não agradavam a Paul McCartney, desde sempre
adepto da canção pop limpinha, da qual, aliás, era um genial inventor. Seja
como for, a japonesa intrometeu-se, quebrando um equilíbrio que, a partir de
“Sgt. Pepper’s”, era já instável. O álbum seguinte do grupo, o célebre duplo
branco, por alguns considerado superior ao seu universalmente aclamado
antecessor, teve em Ono um fantasma omnipresente nas sessões de gravação, sendo
a sua inspiração determinante na composição do tema mais experimental do disco,
composto por Lennon, “Revolution no. 9”,
na linha das suas próprias conceções musicais.
Recuemos
de novo ao período anterior ao casamento. Ono convivia então com gente como o
guru da estética minimalista, LaMonte Young, organizando em conjunto com ele
exposições e “performances” várias, ou um dos cultores originais do “free
jazz”, o saxofonista Ornette Coleman. Fez ainda parte do movimento Fluxus,
formação mítica que se manteve até aos nossos dias, com as suas conceções de
uma arte total e atuante, em constante mutação.
Yono
[sic] investiu igualmente na cena pop, infiltrando-se no meio e travando
conhecimento, entre outros, com Eric Clapton e Mick Jagger. Mas foi John Lennon
quem mordeu o isco. Aconteceu por acaso, através de uma peça criada pela
japonesa em 1966, integrada num “show” inteiramente idealizado e protagonizado
por si. A “peça” em questão era constituída por uma escada pela qual o
visitante era convidado a subir. Chegado ao cimo, este deveria espreitar por um
pequeno orifício, onde deparava com uma simples palavra escrita do outro lado:
“Sim.” Foi suficiente para Lennon pensar que tinha encontrado a alma gémea. A
ligação efetiva entre ambos deu-se dois anos mais tarde, mais ou menos na mesma
altura em que Paul
encontrou Linda Eastman, vindo os quatro a casar no mesmo mês, em Março de
1969.
Paz
na Cama
“Two
Virgins”, primeiro álbum gravado pela dupla, é o mais interessante. É o disco
em que os dois aparecem na capa como vieram ao mundo, de frente e de costas,
numa exposição literal do conceito de inocência. Este e o álbum seguinte, “Life
with the Lions”, surgiram na sequência dos diversos “bed in” que Lennon e Yoko
empreenderam na Primavera e no Verão de 1968, em hotéis como o Hilton, de
Amsterdão, ou em
Montreal. Um “bed in” era a abertura total da intimidade
conjugal à imprensa, com os dois expostos aos fotógrafos e jornalistas, numa
cruzada a favor da paz no mundo. “Two Virgins” foi gravado em estúdio mas o
tema extra “Remember Love” foi captado no quarto 1742 do hotel La Reine. Os dois temas
principais, partes 1 & 2 de “Two Virgins”, são uma colagem de vozes, ruído
ambiente e sintetizadores agressivos que prenunciam o surrealismo mágico dos
Nurse With Wound. Na segunda, Ono usa pela primeira vez a sua voz de sirene
(antecipando em muitos anos as imprecações de Diamanda Galas), que um crítico
da época considerou o som mais original depois do sintetizador “Moog”...
“Life
With The Lions”, do mesmo ano, capítulo segundo da “Unfinished Music”, tem
início com os 26 minutos de “Cambridge 1969”, nova sessão de gritaria, ainda mais
alucinada, de Ono, na personificação de bruxa. Estranhamente, este tema foi
gravado em 1969, quando a indicação da data de gravação do álbum se refere a
Novembro de 1968. Dois expoentes da “free music”, John Tchicai e John Stevens,
colaboram na parte final. Há ainda “Two Minute Silence”, que é isso mesmo, com
menos dois minutos e 33 segundos que a peça de Cage, “Baby´s Heartbeat”, uma
pulsação horrível de ruído que pretende ser o batimento cardíaco de um bebé,
“Radio Play”, 12 minutos intoleráveis de “cut-ups” de emissões de rádio, e “No
bed for Beatle John”, no qual Ono usa o lado infantil ??? vocal. Sobre esta
obra, o comentário mais acurado pertence ao produtor dos Beatles, George
Martin: “Sem comentários!”
A
loucura prossegue no álbum seguinte, “Wedding Album”, gravado integralmente num
quarto de hotel do Hilton, em Amsterdão, em mais um “bed in” causador de
escândalo. O tema inicial, “John & Yoko”, dura 22 minutos, ao longo dos
quais John grita “Ono!” e Ono grita “John!”, sobre uma textura eletrónica rude
e repetitiva, numa multiplicidade de registos vocais e emocionais. Um caso
nítido do foro psiquiátrico. “Amsterdam” (24m54s) é uma longa melopeia em que
os dois amantes gritam “peace!”, em busca de uma qualquer harmonia oculta
debaixo dos lençóis. Inclui explicações teóricas, pelos próprios protagonistas,
na cama. Nos temas extra, há a destacar a beleza invernal da balada “Listen,
the snow is falling” (com uma formação rock convencional que incluía Ringo
Starr, Nicky Hopkins e Klaus Voorman, e a produção de Phil Spector) e a
verificação dolorosa de como Lennon era um executante limitado com uma guitarra
acústica nas mãos.
Por
fim, “Plastic Ono Band”, intitulado a partir da banda entretanto formada em
homenagem a Yoko, tem a particularidade de incluir a participação de Ornette
Coleman, recolhida durante um ensaio do tema “AOS”. É o álbum mais convencional
do lote, apenas perturbado pela inclusão do tema extra “The South Wind”, nova
oportunidade concedida à japonesa de poder libertar a sua líbido selvagem, com
a conivência tímida de John, o Beatle.
Tudo
junto era demais. Os Beatles não aguentaram. Trinta anos depois, continua a ser
difícil de aguentar.
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