28/08/2014

Criaturas do submundo [Pan Sonic]



Y 24|Novembro|2000
multimédia|capa

pan sonic

Criaturas do submundo

MÚSICA ELETRÓNICA, ano 2000. À superfície vêem-se luzinhas a piscar, samplers luzidios, bits em amena cavaqueira numa rave global de house, drum ‘n’ bass e breakbeats sintetizados numa pastilha que faz ver o mundo como um arco-íris de “grooves”. Os monstros habitam mais abaixo. Desçamos ao submundo. Num dos estratos mais lamacentos esconde-se o consultório dos finlandeses Pan Sonic, electro-doméstico avariado que perdeu pelo caminho a letra “A”: Mika Vainio e Ilpo Väisanen, cirurgiões de mil aberrações, colecionadores de vísceras de ciborgues, técnicos do metal mal condutor. Criaram um corpo mutante a partir dos restos da música industrial psico-mágico-totalitária dos Throbbing Gristle, do desconstrutivismo niilista dos Einstürzende Neubauten, do Black & Decker pós-new wave dos Suicide e da linha de montagem de homens-máquinas dos Kraftwerk. A música daí resultante assalta os sentidos e provoca infeções nos ouvidos e no cérebro, como poderão confirmar todos os que assistiram ao seu concerto, em Cacilhas, no âmbito do festival Reset!. A música dos Pan Sonic, dos álbuns “Vakio”, “Kulma” ou “A”, com Alan Vega, ex-Suicide, em “Endless”, ou nas apresentações ao vivo, não se ouve. Sente-se. Numa cave mal iluminada onde a dor é elétrica e parece não ter fim.
            De Kid606, jovem de 21 anos que se estreou em disco com “PS I Love You” mas envolvido já numa multiplicidade de projetos ligados à música eletrónica e à informática não se espere igualmente palmadinhas nas costas. O puto delira com a utilização de samplers e computadores em curto-circuito para infligir choques elétricos e outras agonias aconselháveis aos que já não dispensam ser estimulados pelas agulhas dos Tone Rec e Dat Politics. Click-house epilética cortada por um falso ambientalismo que transporta para o novo milénio digital a “metal machine music” de Lou Reed.
            Outro enviado do demónio dissimulado nos “grooves” da dança é Richard H. Kirk. Hoje mais “civilizado” do que quando nos Cabaret Voltaire enferrujava os alicerces da pop eletrónica com a música industrial e as técnicas de “cut-up” sonoro e ideológico.
            Atitude mais lúdica tem o trio Chicks On Speed. Nelas, a arte-pop, o artificialismo e a ironia confundem-se com música electro, performance e pós-punk. Definem-se como grupo de arte conceptual, mas no álbum “Will Save Us All!” colavam com cuspo e fita cola música experimental de Viena com pop à B-52’s, electro dos anos 80 com terrorismo sónico. Sabem estar com o mesmo à vontade nas cosmopolitas galerias de arte, nas salas de concertos e nos clubes de música de dança. Figuras coloridas do “show business”, participam nele com o propósito de o modificar. Como um número de circo a tapar a subversão.

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