Y
24|Novembro|2000
multimédia|capa
pan
sonic
Criaturas
do submundo
MÚSICA
ELETRÓNICA, ano 2000. À superfície vêem-se luzinhas a piscar, samplers
luzidios, bits em amena cavaqueira numa rave global de house, drum ‘n’ bass e
breakbeats sintetizados numa pastilha que faz ver o mundo como um arco-íris de
“grooves”. Os monstros habitam mais abaixo. Desçamos ao submundo. Num dos
estratos mais lamacentos esconde-se o consultório dos finlandeses Pan Sonic,
electro-doméstico avariado que perdeu pelo caminho a letra “A”: Mika Vainio e
Ilpo Väisanen, cirurgiões de mil aberrações, colecionadores de vísceras de
ciborgues, técnicos do metal mal condutor. Criaram um corpo mutante a partir
dos restos da música industrial psico-mágico-totalitária dos Throbbing Gristle,
do desconstrutivismo niilista dos Einstürzende Neubauten, do Black & Decker
pós-new wave dos Suicide e da linha de montagem de homens-máquinas dos
Kraftwerk. A música daí resultante assalta os sentidos e provoca infeções nos
ouvidos e no cérebro, como poderão confirmar todos os que assistiram ao seu
concerto, em Cacilhas, no âmbito do festival Reset!. A música dos Pan Sonic,
dos álbuns “Vakio”, “Kulma” ou “A”, com Alan Vega, ex-Suicide, em “Endless”, ou
nas apresentações ao vivo, não se ouve. Sente-se. Numa cave mal iluminada onde
a dor é elétrica e parece não ter fim.
De Kid606, jovem de 21 anos que se
estreou em disco com “PS I Love You” mas envolvido já numa multiplicidade de
projetos ligados à música eletrónica e à informática não se espere igualmente
palmadinhas nas costas. O puto delira com a utilização de samplers e
computadores em curto-circuito para infligir choques elétricos e outras agonias
aconselháveis aos que já não dispensam ser estimulados pelas agulhas dos Tone
Rec e Dat Politics. Click-house epilética cortada por um falso ambientalismo
que transporta para o novo milénio digital a “metal machine music” de Lou Reed.
Outro enviado do demónio dissimulado
nos “grooves” da dança é Richard H. Kirk. Hoje mais “civilizado” do que quando
nos Cabaret Voltaire enferrujava os alicerces da pop eletrónica com a música
industrial e as técnicas de “cut-up” sonoro e ideológico.
Atitude mais lúdica tem o trio
Chicks On Speed. Nelas, a arte-pop, o artificialismo e a ironia confundem-se
com música electro, performance e pós-punk. Definem-se como grupo de arte
conceptual, mas no álbum “Will Save Us All!” colavam com cuspo e fita cola
música experimental de Viena com pop à B-52’s, electro dos anos 80 com
terrorismo sónico. Sabem estar com o mesmo à vontade nas cosmopolitas galerias
de arte, nas salas de concertos e nos clubes de música de dança. Figuras
coloridas do “show business”, participam nele com o propósito de o modificar.
Como um número de circo a tapar a subversão.
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