23 Junho
2000
REEDIÇÕES
Lua
ectoplásmica
Nick Drake
Five Leaves Left (9/10)
Bryter
Layter (9/10)
Pink
Moon (8/10)
Island,
distri. Universal
Nick
Drake circulou pelos anos 70 como uma borboleta entre o peso-pesados do rock
progressivo. Enquanto foi vivo, a sua voz frágil, as suas canções hesitantes, a
sua guitarra companheira das horas de angústia e a sua solidão criativa
perderam-se no meio do burburinho. Deixou-se aprisionar por fim no seu casulo
de sonhos e decidiu partir. Nascia assim a lenda.
O
que ficou de Nick Drake foi uma história triste e a música, registada em três
álbuns de originais, “Five Leaves Left”, de 1969, “Bryter Layter”, de 1970, e “Pink
Moon”, de 1972, editados na altura com o selo Island. As presentes reedições
recuperam o selo primitivo, passando a Island a deter de novo todos os direitos
de autor, substituindo deste modo as anteriores publicadas pela Rykodisc.
Nenhum dos novos CD apresenta qualquer tema ou informação adicional, sendo a
única diferença a capa interior de “Bryter Layter”, à qual foi restituída a cor
original.
Ashley
Hutchings, dos Fairport Convention, deu a conhecer Nick Drake ao produtor da
Island, Joe Boyd, que lhe ofereceu um contrato de gravação. Em “Five Leaves
Left”, as relações desta música com a folk inglesa (Richard Thompson, dos
Fairports, e Danny Thompson, dos Pentangle, são dois dos participantes no
disco) estão bem patentes em temas como “Time has told me”, “River man” –
recentemente recriado pela diva da música tradicional inglesa, Norma Waterson –
“Day is done” e “Cello song”, nos quais é detetável a influência de nomes como
Bert Jansch ou John Renbourn, outros dois Pentangle. “The thoughts of Mary Jane”
evidencia as extraordinárias semelhanças vocais de Drake com o seu amigo John
Martyn, numa canção com paralelismos evidentes com a música que este fazia
nessa época com a sua mulher Beverley Martyn, no álbum “Stormbringer”. “Way to
blue”, com um arranjo orquestral, “Fruit tree” e o jazzy “Saturday sun”,
suspenso pelo vibrafone de Tristan Frey (semelhanças, ainda aqui com a
obra-prima de John Martyn, “Solid Air”) são outros tantos momentos de uma
música polvilhada de estrelas sempre na iminência de, com um sopro, se
apagarem.
“Bryter
Layter” mostra uma música de arranjos e produção mais sofisticados, ainda que
as canções tivessem sido, quase todas, compostas por Drake no seu quarto de
dormir em Hampstead. A presença da orquestra (os metais em “Hazey Jane II”
fazem lembrar “Seasons”, dos Magna Carta) intensifica-se, enquanto o
contingente de músicos recrutados dos Fairport Convention aumentava, incluindo
agora, além de Thompson, tamb´´em Dave Pegg e Dave Mattacks. John Cale toca
violeta e cravo em “Fly”, num álbum que não ficou imune aos ventos do
Progressivo, como o prova a complexidade estrutural dos arranjos de “At the
chime of a city clock”. “Hazey Jane I” equipara-se uma vez mais, na
vocalização, a John Martyn. “Bryter Layter”, apesar de colorido por sons de
todas as cores, não esconde a tristeza que tem cravada no coração. A crítica
adorou o álbum, o público passou-lhe ao lado, Nick Drake escondeu-se um pouco
mais no fundo.
Lua
nova. O ocaso chegava como um fim natural. “Pink Moon”, derradeiro testemunho
de uma sensibilidade noturna com tendência para o absoluto isolacionismo (aqui
deposto em estranhos reflexos similares a Tim Buckley), esvai-se nas sombras de
uma guitarra acústica e de uma voz abraçadas numa filigrana de ectoplasma, que
dizem ser o fluido de que são feitas as almas. Quando banhadas pelos “blues”.
Gravadas em duas únicas sessões, as canções são mais confessionais do que
nunca. E Nick Drake confessou a sua desistência. Um dose excessiva de Tryptizol
garantiu-lhe por fim nunca mais acordar para uma realidade, demasiado opaca,
que colidiu sempre com a transparência dos seus sonhos.
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