22 de
Setembro 2000
REEDIÇÕES
E
agora, algo completamente igual…
Chegou
finalmente a reedição por que todos ansiavam, a começar pelas donas de casa.
Sim! O álbum de 1987 dos Negativland,
“Escape from Noise”, é uma peça
fundamental do lar. Mas agora há motivos de sobra para nos regozijarmos com
esta nova reedição, já que se trata, nem mais nem menos do que uma
“exactomasterização”, como vem anunciado na embalagem de forma exuberante. A
única e inconfundível masterização que deixa tudo exatamente como estava. Ou
seja, não há temas extra, o som não sofreu qualquer melhoramento ou modificação
e apenas a gravura da capa é agora uma ampliação da que vinha na anterior
reedição pela Cuneiform. A outra mudança, como o grupo faz questão de notar, é
o desaparecimento, entretanto, da União Soviética, que servia de mote ao tema
“Time zones”.
É
mais um dos múltiplos truques que os Negativland costumam usar para fintar a
indústria, mas não é por isso que “Escape from Noise” vê diminuída a sua
condição de obra fundamental dos anos 80, com continuação à altura dos anos
seguintes em trabalhos como “Free” ou “Disepsip”.
Álbum
de colagens, de sons caídos em desgraça em melodias em estado de graça, “Escape
from Noise” é um manifesto contra a paranoia americana, contra a paranoia
internacional, contra a paranoia individual. O álbum é todo ele, de resto, uma
paranoia. A crítica é feroz, o ataque ao “mainstream” – no tema “Michael
Jackson”, simples enunciação de nomes presentes regularmente nas “charts”
norte-americanas completada com a frase que dá título ao álbum, “Há alguma
forma de escapar ao ruído?” – mortífero. “The Playboy channel”, “Stress in
marriage”, “Methods of Torture”, “Car bomb”, dissecam a loucura, cospem na sopa
e fazem literalmente explodir bombas na sala de estar do conformismo. E
“Christianity is stupid”, claro, que serviu de base a um dos mais geniais
embustes da história da pop através do qual os Negativland cobriram de ridículo
toda a rede dos “media” dos Estados Unidos, história que o grupo daria a
conhecer em pormenor no álbum seguinte, “Helter Stupid”. Experimentalismo e
humor unem-se a uma excentricidade iluminada neste álbum que nos anos 80 deu
novo sentido à palavra síntese, servindo de manual de guerrilha a toda um
geração de músicos mais novos para os quais a música pop é um fato demasiado
apertado. Colaboram em “Escape from Noise”, outros mutantes como os Residents,
Jello Biafra (dos Dead Kennedys), Steve Fisk, Fred Frith, Jerry Garcia (o guru,
já falecido, dos Grateful Dead), Mickey Hart (também dos Grateful Dead), Henry
Kaiser, Mark Mothersborough (dos Devo), Tom Herman (dos Pere Ubu) e Alexander
Hacke (dos Einsturzende Neubauten). Hoje, como ontem, é difícil escapar ao
ruído. Mas enquanto não é descoberta a fórmula definitiva para eliminar a
poluição, auscultadores nos ouvidos e volume no máximo, até rebentarem os
tímpanos com “Escape from Noise”! A surdez é a solução final. Se ainda não tem,
compre já! (Seeland, distri. Ananana, 10/10)
“Pioneers who got Scalped” é uma
antologia bastante completa dos Devo,
os androides de Akron que se metamorfosearam em batatas, usavam abat-jours na
cabeça, defendiam a teoria da de-evolução e, a brincar, a brincar, provocaram
uma formidável reviravolta na pop eletrónica. Dos 50 temas retirados de toda a
sua discografia fazem ainda parte, além de remisturas, versões alternativas,
incluindo as gravadas pelo projeto Booji Boy, que viria a dar origem aos Devo,
como “Jocko homo” e “Mongoloid”. Excelente, divertido e uma boa aposta para
surpreender nas festas mutantes deste Outono. (ed. e distri. Warner Music, 8/10).
Haverá
quem ainda se lembra de “Déjà Vu”, o
álbum resultante da junção do trio David
Crosby, Stephen Stills e Graham Nash
– que já gravara antes “Crosby, Stills & Nash” – com Neil Young, vindo dos Buffalo Springfield. As harmonias vocais que
ficaram como imagem de marca tornaram-se mais ricas mas a excessiva preocupação
em dividir a composição em partes iguais pelos quatro não resultou numa
melhoria sensível em relação ao álbum anterior, apesar de a crítica o considerar
um dos clássicos da “contry pop” dos anos 70. Mas canções como “Helpless”,
“Déjà vu” e “Our House” ilustram de forma mágica a época dourada do
pós-psicadelismo americano: “cool”, melódica e mais interessada nas emoções
veiculadas numa canção do que nos golpes de experimentalismo ácido dos sons e
da mente… (Atlantic, import. Lojas Valentim de Carvalho, 7/10)
Que
foi o que fez, e de que maneira, Eric
Burdon, um dos profetas do psicadelismo na sua versão “bad trip”, que
explorou de forma quase demencial, antes de se lançar nos braços do “funk” com
o grupo War. Mas os The Animals
eram, nos anos 60, animais selvagens e o ácido corria-lhes nas veias. “Winds of Change”, do ano de graça de
1967, é um clássico do psicadelismo de tonalidades carregadas. Burdon
pulveriza-se em máscaras vocais. “Sitars”, vibrafones, guitarras tripantes e
toda a espécie de distorções de estúdio criam um mundo de sombras onde até as
letras são “viagens” com as quais é preciso saber lidar. A versão de “Paint it
black”, dos Stones, faz assim sentido num álbum que em pleno Verão do Amor
atirava à cara dos “hippies” temas como “The black plague”, “Hotel hell” e
“It’s all meat”, este último uma apologia do sexo enquanto tráfico de carne
capaz de fazer estremecer as doutrinas do “flower power”. E “San Francisco
nights” é um voo planante e uma extraordinária canção pop que voa tão alto como
“8 miles high” dos Byrds… (Polydor, import. Lojas Valentim de Carvalho, 8/10)
Entre
as bandas do progressivo que se gabavam de lidar com o diabo, os Black Widow rivalizavam com os Black
Sabbath, tendo em Jim Gannon o seu antipapa do oculto. “Come to the sabbat”,
incluído no primeiro e melhor álbum da banda, chegou a ser um hit mas ao
terceiro álbum, “Black Widow III”
(1971), já sem Gannon e com uma formação descaracterizada, o grupo afadigava-se
em alinhar riffs onde o saxofone, a flauta e os teclados não necessitavam já de
qualquer exorcismo para poderem ser ouvidos por qualquer bom cristão
(Repertoire, import. Fnac, 6/10).
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