20/10/2016

Alice, do mesmo lado do espelho [Alice Cooper]

CULTURA
SEGUNDA-FEIRA, 16 DEZ 2002

Crítica Música

Alice, do mesmo lado do espelho

Alice Cooper
Lisboa, Pavilhão Atlântico
Sábado, 14 de Dezembro, às 23h
3000 pessoas

Trinta anos passados, para Alice Cooper continua tudo na mesma. O cinquentão americano, considerado um dos pais do “heavy metal”, trouxe no sábado para o Pavilhão Atlântico, em Lisboa, o mesmo conceito de rock teatral que vem explorando desde o início dos anos 70, para gáudio dos cerca de 3 mil presentes que deliraram com os truques visuais, o chinfrim das guitarras e doses de violência “kitsch” que, mais do que terror, suscitam sorrisos de condescendência.
O palco estava montado para a palhaçada e Alice não se fez rogado. Apareceu com a velha maquilhagem de cadáver-clown – que Marilyn Mason retocou de maneira a tornar ainda mais apelativa para os adolescentes, os encantadores ensinamentos das doutrinas satânicas – empunhando um sabre, depois um chicote, enfim utensílios domésticos sem os quais a vida do dia a dia não tem sabor, e a música, “heavy” ou outra qualquer, é uma arte menor.
Participaram uma bailarina diabólica e uma enfermeira em mini-saia, Alice trespassou um bebé com uma vara, pontapeou a bailarina e a enfermeira, foi espancado por esta (como vingança) amarrado numa camisa-de-forças e, repetindo uma encenação que já vem de longe, guilhotinado (como castigo) e com a cabeça a andar de mão em mão (como troféu).
Em resumo, um espetáculo dignificante e bastante plástico, mesmo poético, que encantou e arrancou fortes aplausos da assistência. Tudo condimentado com um sortido de luzes que esgotou o espectro de cores, sirenes e gravações de música clássica e “nursery rhymes”, na boa tradição das grandes produções dos “seventies”.
Também se ouviu música e esta soou alto, mas sem exageros – um rock meio “heavy” meio sinfónico igual ao que Alice fez sempre e de que todos estavam à espera. No capítulo do teatro, sem correrias, porque a idade já não dá para cometer loucuras,, o cantor vociferou “Sex, death and money”, “Welcome to my nightmare”, “Go to hell” e “Billion dollar babies”, entre outros temas conhecidos. O baterista aguentou cinco minutos em solo, primeiro apoiado por um percussionista, a seguir sozinho, sobre uma batida tribal, as guitarras chiaram e, entre explosões, espancamentos, sexo e morte coreografados como anedotas, tudo correu lindamente e na santa paz do Natal.
Diversão, mau-gosto ou puro entretenimento “gore”, nunca ninguém, inclusivamente o próprio, levou a sério Alice Cooper. O mal, o verdadeiro mal, esconde-se noutras paragens e sob outras formas. Amiúde disfarçado de anjinho bom.

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