CULTURA
DOMINGO, 23 JUNHO 2002
Maria João Pires premiada pela UNESCO
POR OBRA
DESENVOLVIDA NO CENTRO DE BELGAIS
A pianista irá
receber o Prémio de Música 2002, “por ser uma grande pianista que não se ficou
por aí e se lançou num ambicioso projeto social e cultural”
A pianista portuguesa Maria João Pires foi distinguida com o
Prémio de Música 2002, atribuído anualmente pela UNESCO em parceria com o
International Music Council, pela sua obra de dinamização no Centro para o
Estudo das Artes de Belgais (Beira Baixa), fundado há quase três anos.
O galardão,
de grande prestígio, é atribuído a instituições ou pessoas que se destacam por
"ir além da sua atividade normal, do seu trabalho", em prol da
música, como explicou ao PÚBLICO, Paul Mollet, diretor executivo daquela
instituição, cuja importância foi agora reconhecida internacionalmente.
De acordo
com o mesmo responsável, esta distinção tem um significado muito especial, não
só para a intérprete, como para o próprio centro que ainda recentemente correu
o risco de fechar as portas, por falta de apoios financeiros. "Não foi
pelo facto de ser uma grande pianista, mas por ser uma grande pianista que não
se ficou por aí e se lançou num ambicioso projeto social e cultural".
"É uma pessoa que já recebeu imensos prémios e não liga muito a isso, mas
agora que estamos numa fase, ao fim de dois anos, em que continuamos com os
problemas normais numa instituição deste tipo, nomeadamente a falta de
dinheiro, a atribuição do prémio dá-nos uma maior relevância nacional. É quase
um aval da UNESCO", conclui.
O Centro de
Belgais desenvolve um trabalho educativo, cultural e social "dirigido a um
público-alvo completamente diferente" daquele que habitualmente ouve e
consome música clássica nos centros urbanos. "Temos workshops
internacionais sobre vários instrumentos, em que trazemos os melhores talentos
de todo o mundo. Há três semanas fizemos um sobre piano que contou com
intérpretes do Chile, Indonésia, EUA, França, Brasil, Israel e Japão...
Escolhemos os melhores e eles fazem dez dias intensivos de trabalho". O
Centro organiza ainda concertos, incluindo os recitais que se seguem a cada
"workshop", também abertos ao público.
Além da
descentralização, é uma maneira positiva de desdramatizar, digamos assim, a
apresentação da música clássica, tirando-a dos auditórios bem vestidos e bem
pensantes da cidade, para a integrar num cenário sem pressões, mais perto da
Natureza e do silêncio que permite escutar as fontes do som. "Sim, a nossa
política é essa, levamos ao Centro pessoas sem viatura própria... E vamos aos
centros culturais, às aldeias, a salões de festas...", diz Paul Mollet.
Entre as atividades
regulares do centro, figuram um coro profissional infantil com mais de 40
vozes, diversos ateliers (cerâmica, poesia, ambiente), concertos e cursos
internacionais destinados a estudantes de música.
A
articulação faz-se também com o governo, que apoia o Centro com uma verba anual
de 110 mil euros. Nesse âmbito, Belgais ocupar-se-á, no próximo ano letivo, de
uma experiência-piloto ao nível do ensino básico: uma escola primária cedida
pelo Estado na aldeia de Mata vai ser palco de um projeto que concilia estudo e
artes.
Além do
apoio oficial, o Centro, que estatutariamente é uma Organização Não
Governamental, conta com a colaboração de duas empresas, a EDP e o Banco
Português de Negócios. Ainda assim, permanecem carências financeiras, dada a
diversidade de tarefas que exigem continuado investimento.
“Um dia tremendo”
O PÚBLICO tentou ontem falar com Maria João Pires, que
interpretava à noite obras de Beethoven, em Belgais, mas não foi possível, até
porque era "um dia tremendo", segundo a sua assistente, Rosário
Veiga. A pianista segue hoje para Londres, onde, depois dos "ensaios
intensivos" de amanhã, dará um concerto no Royal Festival Hall.
O galardão
da UNESCO, com um valor pecuniário simbólico de 2500 euros, será entregue em
Novembro na cidade alemã de Aachen, em cerimónia marcada para os dias 8 e 9,
que inclui a realização de um recital pela pianista que em 2001 gravou em
Belgais o álbum "Moonlight", preenchido por três sonatas de Beethoven.
A
candidatura de Maria João Pires ao Prémio foi formalizada à UNESCO e ao
International Music Council pelo Ministério da Cultura português, juntando-se a
uma lista de 74 outras propostas, de vários pontos do mundo. O mesmo prémio já
contemplou duas vezes Portugal, tendo sido atribuído à Fundação Calouste
Gulbenkian nos anos 80 e ao compositor Emmanuel Nunes, em 1999.
Como consta
dos regulamentos, esta distinção contempla também uma instituição, pelo que o
júri consagrou ainda, em 2002, o Centro de Músicas Tradicionais do Sultanato de
Omã.
Fernando Magalhães
com Lusa
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