CULTURA
QUINTA-FEIRA,
25 JULHO 2002
Festival
Músicas do Mundo anima Sines por três dias
HEDNINGARNA EXPLOSIVOS HOJE NO CASTELO
Pelo quarto ano consecutivo, o castelo de Sines abre
as portas à “world music”. É o festival Músicas do Mundo. Com Cristina Branco,
Hedningarna e David Murray. Com fogo e estrelas
Alentejo. Sines. O
castelo. Lá dentro. Foi aí, em Sines, como diria o ilustre professor José
Hermano Saraiva, abrindo muito os braços e olhando de frente para a câmara, que
nasceram Vasco da Gama (o descobridor) e, há menos tempo, o festival Músicas do
Mundo, dedicado à chamada "world music", versão não facciosa.
Este ano, quarto de uma vida
ainda curta mas já recheada de história (a primeira edição decorreu em 1998 e
daí para a frente o certame rapidamente se institucionalizou no panorama dos
festivais do género), o programa é, uma vez mais, de se lhe tirar o chapéu,
destacando-se como cabeças-de-série os suecos Hedningarna e o saxofonista de
jazz (mas sabe-se como o jazz é adaptável...) David Murray com a sua "big
band". Mas todos os outros prometem: Cristina Branco, Los de Abajo, Popa
Chubby, Yat-Kha, Mabulu.
Os concertos decorrem ao ar
livre, no interior das ameias do castelo e, atendendo a que as noites no
Alentejo litoral costumam ser nesta altura aprazíveis, o cenário não poderia
ser mais convidativo: Música, mar e estrelas. E, no encerramento, como de
costume, a euforia dos sons misturados com fogo-de-artifício.
Cristina Branco é a primeira a atuar
no Músicas do Mundo. Ser ou não ser fadista é questão de somenos, que se apaga
perante a evidência de uma voz e uma presença iluminados. Branco é fusão das
sete cores do arco-íris. A música de Cristina Branco (e do seu marido e
guitarrista Custódio Castelo) é esse espectro de luz em cuja ponta está deposto
um tesouro.
Funk iconoclasta
Já as cores dos
Hedningarna tendem para o vermelho vivo da iconoclastia. Quando, já vai fazer
uma década, editaram o álbum "Kaksi", o mundo da música folk entrou
em paroxismo e nunca mais voltou a ser o mesmo. De então para cá estes suecos
que se auto-intitulam "pagãos" têm vindo a suavizar a sua fúria e a
reconciliarem-se com as raízes que ajudaram a arrancar, mas a originalidade do
projeto permanece intacta e são sempre de esperar surpresas vindas do casamento
contranatura, mas neles tão eficaz, entre a eletricidade, sanfonas e
gaitas-de-foles possessas e o gelo que queima das tradições escandinavas.
David Murray em contexto cubano
abre a porta do castelo na noite de amanhã. Murray é um notável (ou um dos
"notáveis") saxofonista tenor, absolutamente esplendoroso no registo
da balada, mas cuja imperiosa necessidade de gravar o faz dispersar-se entre as
cinco estrelas que premeiam os marcos do jazz ("The Hill", "Deep
River", "Ballads", "Special Quartet", "Body and
Soul") e "blowin' sessions" tão tecnicamente irrepreensíveis
quanto inconsequentes. Traz a Sines, onde já esteve o ano passado, a sua
"big band" e o projeto "Havana Moods". Esperam-se mambos e
boleros. O que não admira – se nos lembramos que já se rendera no passado ao
ritmo do samba – nem amedronta, se nos confortarmos na certeza de que o seu
saxofone tenor fala sempre mais alto.
Moçambique em Sines
A fechar sexta-feira,
Los de Abajo. Mas vão acima, não abaixo. São mexicanos e não levam as
convenções musicais muito a sério, como o Porto já pôde verificar num dos seus
"Ritmos do Mundo". Hip-hop, rock, punk, merengues, rebeldia e
cowboiada fazem o cocktail. Como na cidade do México, cabe lá tudo. Nada de subtil,
mas o pé bate e a boca sorri. Gravaram um álbum para a Luaka Bop, de David
Byrne. Bom sinal.
Sábado, último dia do Músicas do
Mundo, começa com Popa Chubby. A fórmula é, como a dos mexicanos, permissiva,
neste nativo do Bronx com má pinta mas um amor sem limites pelos blues, o punk,
o rock e o hip-hop. Já disse: "O meu objetivo final é escrever a perfeita
canção de três minutos como se fosse o último encontro de Hendrix, Coltrane e
Bird, com as líricas de Tom Waits." Coisa despretensiosa. Falta cumprir.
Os Yat-Kha tocarão, mas
sobretudo cantarão, como se canta em Tuva, e em mais parte nenhuma do globo –
com a garganta aberta para as profundezas da alma e a capacidade de emitir dois
sons em simultâneo. A terminar, vindos de Moçambique, atuam os Mabulu, nomeados
para os "BBC Awards for World Music" do ano passado, finalistas do
"Kora, All Africa Music Awards" e autores dos álbuns
"Karimbo" e "Soul Marrabenta". A tradicional marrabenta
encontra o hip-hop. Moçambique encontra Sines. Encontram-se todos com o fogo. O
de artifício e o outro.
PROGRAMA
CASTELO DE SINES,
ENTRADA LIVRE
HOJE
Cristina Branco 21h30
Hedningarna 23h
AMANHÃ
David Murray
Big Band 21h30
Los De Abajo
23h
SÁBADO
Popa Chubby 21h15
Yat-Kha 22h45
Mabulu 24h
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