18/10/2016

Festival Músicas do Mundo anima Sines por três dias

CULTURA
QUINTA-FEIRA, 25 JULHO 2002

Festival Músicas do Mundo anima Sines por três dias

HEDNINGARNA EXPLOSIVOS HOJE NO CASTELO

Pelo quarto ano consecutivo, o castelo de Sines abre as portas à “world music”. É o festival Músicas do Mundo. Com Cristina Branco, Hedningarna e David Murray. Com fogo e estrelas

Alentejo. Sines. O castelo. Lá dentro. Foi aí, em Sines, como diria o ilustre professor José Hermano Saraiva, abrindo muito os braços e olhando de frente para a câmara, que nasceram Vasco da Gama (o descobridor) e, há menos tempo, o festival Músicas do Mundo, dedicado à chamada "world music", versão não facciosa.
                Este ano, quarto de uma vida ainda curta mas já recheada de história (a primeira edição decorreu em 1998 e daí para a frente o certame rapidamente se institucionalizou no panorama dos festivais do género), o programa é, uma vez mais, de se lhe tirar o chapéu, destacando-se como cabeças-de-série os suecos Hedningarna e o saxofonista de jazz (mas sabe-se como o jazz é adaptável...) David Murray com a sua "big band". Mas todos os outros prometem: Cristina Branco, Los de Abajo, Popa Chubby, Yat-Kha, Mabulu.
                Os concertos decorrem ao ar livre, no interior das ameias do castelo e, atendendo a que as noites no Alentejo litoral costumam ser nesta altura aprazíveis, o cenário não poderia ser mais convidativo: Música, mar e estrelas. E, no encerramento, como de costume, a euforia dos sons misturados com fogo-de-artifício.
                Cristina Branco é a primeira a atuar no Músicas do Mundo. Ser ou não ser fadista é questão de somenos, que se apaga perante a evidência de uma voz e uma presença iluminados. Branco é fusão das sete cores do arco-íris. A música de Cristina Branco (e do seu marido e guitarrista Custódio Castelo) é esse espectro de luz em cuja ponta está deposto um tesouro.

Funk iconoclasta
Já as cores dos Hedningarna tendem para o vermelho vivo da iconoclastia. Quando, já vai fazer uma década, editaram o álbum "Kaksi", o mundo da música folk entrou em paroxismo e nunca mais voltou a ser o mesmo. De então para cá estes suecos que se auto-intitulam "pagãos" têm vindo a suavizar a sua fúria e a reconciliarem-se com as raízes que ajudaram a arrancar, mas a originalidade do projeto permanece intacta e são sempre de esperar surpresas vindas do casamento contranatura, mas neles tão eficaz, entre a eletricidade, sanfonas e gaitas-de-foles possessas e o gelo que queima das tradições escandinavas.
                David Murray em contexto cubano abre a porta do castelo na noite de amanhã. Murray é um notável (ou um dos "notáveis") saxofonista tenor, absolutamente esplendoroso no registo da balada, mas cuja imperiosa necessidade de gravar o faz dispersar-se entre as cinco estrelas que premeiam os marcos do jazz ("The Hill", "Deep River", "Ballads", "Special Quartet", "Body and Soul") e "blowin' sessions" tão tecnicamente irrepreensíveis quanto inconsequentes. Traz a Sines, onde já esteve o ano passado, a sua "big band" e o projeto "Havana Moods". Esperam-se mambos e boleros. O que não admira – se nos lembramos que já se rendera no passado ao ritmo do samba – nem amedronta, se nos confortarmos na certeza de que o seu saxofone tenor fala sempre mais alto.

Moçambique em Sines
A fechar sexta-feira, Los de Abajo. Mas vão acima, não abaixo. São mexicanos e não levam as convenções musicais muito a sério, como o Porto já pôde verificar num dos seus "Ritmos do Mundo". Hip-hop, rock, punk, merengues, rebeldia e cowboiada fazem o cocktail. Como na cidade do México, cabe lá tudo. Nada de subtil, mas o pé bate e a boca sorri. Gravaram um álbum para a Luaka Bop, de David Byrne. Bom sinal.
                Sábado, último dia do Músicas do Mundo, começa com Popa Chubby. A fórmula é, como a dos mexicanos, permissiva, neste nativo do Bronx com má pinta mas um amor sem limites pelos blues, o punk, o rock e o hip-hop. Já disse: "O meu objetivo final é escrever a perfeita canção de três minutos como se fosse o último encontro de Hendrix, Coltrane e Bird, com as líricas de Tom Waits." Coisa despretensiosa. Falta cumprir.
                Os Yat-Kha tocarão, mas sobretudo cantarão, como se canta em Tuva, e em mais parte nenhuma do globo – com a garganta aberta para as profundezas da alma e a capacidade de emitir dois sons em simultâneo. A terminar, vindos de Moçambique, atuam os Mabulu, nomeados para os "BBC Awards for World Music" do ano passado, finalistas do "Kora, All Africa Music Awards" e autores dos álbuns "Karimbo" e "Soul Marrabenta". A tradicional marrabenta encontra o hip-hop. Moçambique encontra Sines. Encontram-se todos com o fogo. O de artifício e o outro.

PROGRAMA
CASTELO DE SINES, ENTRADA LIVRE

HOJE
Cristina Branco 21h30
Hedningarna 23h

AMANHÃ
David Murray Big Band 21h30
Los De Abajo 23h

SÁBADO
Popa Chubby 21h15
Yat-Kha 22h45
Mabulu 24h

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