CULTURA
DOMINGO,
16 JUN 2002
Todos os mundos de Carlos Nuñez vão dar à
Bretanha
“Todos os Mundos”,
a nova antologia do gaiteiro galego, vai ser apresentada esta noite no castelo
da Feira
Cada espetáculo de Carlos Nuñez é, por si só, um regalo para os ouvidos,
como podem comprovar todos aqueles que assistiram a alguma das inúmeras
apresentações deste músico galego em Portugal. Desta feita, uma semana depois
do cancelamento da data inicialmente agendada, o palco não poderia ser mais
apropriado: o castelo medieval de Santa Maria da Feira. "Extra" que
poderá tornar a ocasião ainda mais memorável.
Excecional
executante da gaita galega e do "tin whistle" irlandês, Carlos Nuñez
nem sempre tem encontrado a forma ideal de expressar em disco a sua
personalidade musical multifacetada. Álbuns como "A Irmandade das
Estrelas" e "Os Amores Libres" aliam momentos do melhor que a
folk galega tem para oferecer com algumas cedências a uma certa
"comercialite" que se tornou mais patente no último "Mayo
Longo". Recentemente, foi editada a coletânea "Todos os Mundos".
Mas tudo poderá mudar, em breve, de figura. O próximo álbum, em preparação,
incidirá na música da Bretanha e aprofundará a matriz céltica e mitológica do
"virtuose" galego.
Ao vivo,
porém, a história é outra. Os concertos de Carlos Nuñez são invariavelmente um
festim para os sentidos. Na Feira estará presente como convidada a cantora
portuguesa Anabela, que já havia participado em "Mayo Longo". Tudo
dependerá da intuição e da relação que o gaiteiro conseguir estabelecer com o
público.
"Comunicação"
é a palavra-chave. E se, como o próprio diz, tocar para "o grande
público" não permite, à partida, "uma comunicação muito
profunda", será a recetividade emocional da assistência a determinar a
escolha, ou não, de um "reportório mais difícil". "Pode
estabelecer-se contacto com as impressões mais universais ou com aspetos mais
profundos, consoante os locais e os países".
A Feira tem
tudo para fazer Nuñez ir fundo no celtismo mas também na pluralidade de uma
música que, sobre o palco, se transfigura num ritual de alegria e libertação.
Sem preconceitos, o gaiteiro confessa que o alinhamento de cada concerto é
escolhido "cinco minutos antes", dependendo do ambiente. "Há uma
espécie de 'feeling', uma intuição que determina como deve ser o
programa".
Conceptual
na forma de abordar a gravação de um disco, Nuñez materializou em "Os
Amores Libres" o lado mais sanguíneo, mais "carne", como diz, da
gaita-de-foles, enquanto "Mayo Longo" terá pairado demasiado perto da
superfície. Mas a Bretanha acena com o seu mistério, no próximo projeto, já com
dois anos de gestação...
Ao encontro da
Bretanha profunda
Durante estes dois anos, o músico circulou entre a Galiza e a
Bretanha. "A Bretanha é um pouco uma espécie de Galiza ideal, uma Galiza
francesa, mais do que o país de Astérix e Obélix, uma cruz de caminhos de
várias sensibilidades, um país onde a gaita tem um significado importante, mais
do que um instrumento, algo que emociona". Os músicos com quem está a
trabalhar neste projeto são bretões mas os seus nomes estão, por enquanto, no
domínio dos deuses.
Eis-nos
perante o Carlos Nuñez sem pruridos em assumir o seu celtismo, ele que aos 13
anos se estreou ao vivo no mítico festival Intercéltico de Lorient (França),
"a Disneylândia da música céltica". Mas há a "outra Bretanha,
mais profunda", e a essa, diz, "não se acede através de um grande
festival, mas de um processo de descoberta gradual e de amigos como Dan Ar
Braz, Gilles Servat, Patrick Mollard, Erik Marchand...".
Para o
gaiteiro galego, como para o seu amigo e "padrinho" Paddy Moloney,
mestre das "uillean pipes" dos Chieftains, a quem chama "um
Deus", "céltico" não é termo invocado em vão. "O presidente
da Galiza comentava há tempos que não era para si claro isso da música céltica,
que não estava demonstrada a presença dos celtas na Galiza. Respondi-lhe que,
tão pouco, estava demonstrado que o apóstolo esteja enterrado em Santiago. Mas
o mito funcionou. O rei Artur, ninguém sabe se existiu ou não na realidade, mas
o mito funciona, o mito do Caminho de Santiago funciona. O mais importante é
isso, se o mito funciona ou não. A música céltica existe como mito. Na
imaginação. A Bretanha é o ponto de interseção de todo o celtismo".
No seu
disco bretão, além da gaita galega, do "tin whistle" e da flauta de
bisel, Nuñez tocará também as "uillean pipes" irlandesas, a gaita
escocesa e, provavelmente, o "biniou koz" (gaita bretã).
Esta noite,
no castelo da Feira, sob o céu de Verão, o gaiteiro galego alinhará a sua
música com a estrada de Santiago que está sinalizada no firmamento,
convocando-nos, uma vez mais, para nos juntarmos a ele na "Irmandade das
Estrelas".
Carlos
Nuñez
SANTA MARIA DA FEIRA
Castelo. Às 21h30.
Bilhetes a 5 euros.
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