CULTURA
SEXTA-FEIRA,
15 FEV 2002
Morreu o fadista Carlos Zel
Morreu Carlos Zel, 51 anos, o fadista da voz forte.
Considerava-se um “divulgador do fado”. Cantava de olhos fechados. Com o
coração.
Carlos Zel, fadista, morreu ontem de madrugada na sua residência
em Cascais, durante o sono, presumivelmente vítima de ataque cardíaco ou de
insuficiência respiratória. Tinha 51 anos, 30 dos quais de uma carreira
dedicada ao fado.
Voz e
personalidade fortes, presença incontornável do fado lisboeta, Carlos Zel era
possuidor de um estilo em que a tradição mais ortodoxa nunca deixou de marcar
presença, ainda que sem perder de vista as necessárias
adaptações aos tempos modernos. Uma preocupação que levou Carlos Zel a
interessar-se pelo modo como o fado passou o testemunho da geração de veteranos para a
geração mais nova.
Por isso, Zel
era sobretudo um fadista ainda em evolução, uma sensibilidade em trânsito que
procurava adaptar-se a um fado que, nalguns casos, talvez precipitadamente, tem
sido rotulado de “novo” e em relação ao qual sempre soube manter uma perspetiva
equilibrada: “É preciso sofrer-se muito. Sendo-se novo, pode ter-se jeito, uma
boa voz e cantar de uma maneira airosa... Agora, cantar com o peso do próprio fado,
é preciso uma certa tarimba...”
Carlos Zel não
era “novo”, era Carlos Zel, uma energia indomável em constante demanda de uma
serenidade idealizada que pareceu sempre escapar-lhe. Nele, “onde até uma
tempestade pode ser fado”. “Há várias maneiras de se cantar o fado”, disse uma
vez, a propósito do seu “Fado” (álbum de 1996). “Há quem cante com a cabeça,
com a garganta ou com o diafragma. Eu canto com o coração”. Antes de morrer,
deixou prontos três novos fados, que a editora Movieplay incluirá provavelmente
numa antologia do fadista a sair em breve.
Antivedeta por natureza
Carlos Zel nasceu na Parede a 29 de Setembro de 1950, iniciando a
sua carreira profissional aos 17 anos, estreando-se na antiga Emissora
Nacional. Além da rádio, o teatro de revista e a televisão foram outros pontos
de passagem.
Sócio fundador
da Academia da Guitarra e do Fado, foi distinguido em 1993 com o Prémio
Prestígio atribuído pela Casa da Imprensa, que, quatro anos mais tarde, o voltou
a distinguir, desta feita com o Prémio José Neves de Sousa. Antivedeta por natureza,
admirador incondicional de Amália (que esteve presente na apresentação oficial
de um dos seus álbuns, “Fado”, caso raro na diva), atuou ao lado de Maria João
e Mário Laginha, Luís Represas e Cesária Évora.
Os seus espetáculos
levaram-no a Espanha, França, Holanda, Escócia, Dinamarca, Noruega, Brasil,
Argentina, Chile, Venezuela, Canadá, EUA e Senegal. Considerava-se um “divulgador
do fado” e costumava atuar todas as quartas-feiras no casino do Estoril, nas
chamadas “Quartas de Fado”, onde esteve poucas horas antes de falecer, todavia
sem cantar, por não se sentir bem.
Da sua
discografia de 14 álbuns fazem parte “Rosa Camareira”, “Maria dos Olhos
Verdes”, “O seu Nome era Manuel” (dedicado ao toureiro Manuel dos Santos),
“Romeiro”, “Cantigamente” e “Volta do Fado” (com Carlos Zíngaro no violino). O
último, “Com Tradição”, contava com uma versão de “Fado tropical”, de Chico
Buarque.
Cantava sempre
de olhos fechados: “Às vezes imagino que estou noutro sítio, com imensas
pessoas e amigos.”
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