Pop Rock
2 de Janeiro 1991
O DISCO DO ANO
Chill Out
KLF Communications
Depois de “Chill
Out”, deixa de fazer sentido falar de “nova vaga” ou de simples evolução
musical. Se calhar, nem sequer vale a pena falar de “música”. Para já o demónio
é quem domina a “nova” idade.
O universo evolui aparentemente em círculos. Na verdade não
se trata de círculos, mas de uma infinita espiral a desdobrar-se pela
eternidade. Assim, contrariamente às aparências, nada se repete e tudo se
transforma. Na música, como em tudo. Em “Chill Out”, dos KLF, cada som evoca a
um tempo as imagens do passado e visões de um possível futuro. Da capa, em que
figura bucólica paisagem onde pastam pacíficos carneiros, aos acordes espaciais
de longínquas guitarras, assoma o espectro dos Pink Floyd (é lícito ver no
disco uma “pastiche” irónica a “Atom Heart Mother”) e dos misticismos
eletrónicos que, nos anos 70, viriam a desembocar na corrente denominada
“planante”.
O estilo e o conceito prestam-se a todas as interpretações e
mistificações, confundindo por igual aqueles que insistem em ver no disco um
indesmentível sinal de retorno ao passado e os que julgam ter encontrado, nos
KLF, os profetas do som da “nova idade”. “Chill Out” existe, simplesmente, como
objeto de catalogação impossível, buraco negro que aspira a multiplicidade de
géneros, esvaziando-os de sentido, ao mesmo tempo que se serve deles como
plasticina infinitamente moldável e permeável a todas as perversões.
Trata-se, em concreto, de uma longa sucessão de colagens
sonoras, em que cabe tudo: a eletrónica, sons naturais, pedaços roubados
(diz-se “samplados”…) de outros discos, mensagens quase subliminares, o
silêncio. A primeira impressão sugere serenidade e promessas de um futuro
dourado, como o antecipam os “new age gurus” de longas barbas e cérebros
ligados a terminais de computadores, perdidos na contemplação de paraísos que
julgam naturais. Depois nasce a suspeita. Como nas primeiras imagens de “Blue
Velvet”, passa-se da luz e cores da superfície, para as sombras e
monstruosidades ocultas nas traseiras da realidade. Erra quem julga ver na
atual vaga da “ambient house” (torna-se cómodo arrumar o disco nesta categoria)
um passo no sentido da pacificação. Não se trata (como a capa e a sonoridade
geral parecem sugerir) de um retorno à Natureza, mas, pelo contrário, de uma
fuga em direção desconhecida. Tornada uma acumulação de símbolos destituídos de
qualquer significado, a realidade transformou-se numa sucessão de imagens,
deslizando à velocidade de um filme. O caminho escolhido pela nova geração não
é o da integração, mas antes o da fuga para a frente – do êxtase da dança
alimentada a comprimidos, incapaz já de prolongar por mais tempo a alucinação,
avançou-se em direção ao silêncio –, não o da serenidade finalmente atingida,
mas o de quem não tem nada a dizer, por nada haver já que dizer. Do sonho
frenético para o sonho da anestesia. Paralisia. Instantâneo fotográfico – em
“Chill Out”, a música não avança nem recua, todos os movimentos se autodevoram,
culminando um processo de simulação, que acumula farrapos e simulacros de todos
os géneros que fizeram a história da música popular, para os reduzir a nada,
como se, para além de todo o movimento, estivesse irremediavelmente a absoluta
imobilidade, isto é, a morte. Os KLF obrigam a que se comece tudo de novo.
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