27/10/2016

Hot Clube de Portugal, uma questão de jazz

CULTURA
SEGUNDA-FEIRA, 4 MAR 2002


MÚSICA

Hot Clube de Portugal, uma questão de jazz

O Prémio Almada 2001 distinguiu, na área da música, o Hot Clube de Portugal. Prémio justo para esta instituição já com mais de meio século de existência e para a qual o jazz é missão, cultura e diversão

O prémio foi atribuído ao Hot Clube “pelo reconhecimento do papel essencial que desempenha há mais de 50 anos no ensino, prática e divulgação do jazz no nosso país”. Distinção mais do que justa, que premeia o trabalho desenvolvido por esta instituição que, em 1998, comemorou meio século de existência.
            “Ensino”, “prática” e “divulgação”. Três conceitos que se completam no amor incondicional ao jazz. Ensinar — como o Hot Clube faz desde que, em 1977, criou a sua escola de jazz — é pôr em prática e divulgar o jazz. Da mesma forma, apresentar ao vivo um bom músico de jazz é meio caminho andado para ensinar ao neófito os meandros desta música que atravessou e convulsionou a arte do Ocidente do último século. No Hot ouve-se música de jazz, ensina-se música de jazz, fala-se de música de jazz. Respira-se música de jazz. O Hot Clube é um dos corpos — raros — do jazz, vivos e interventivos, existentes em Portugal. Minúsculo nas instalações, mas grandioso na sua história.
            Foi fundado a 19 de Março de 1948, tendo no já falecido Luís Villas-Boas o seu sócio nº 1. Em prol de uma música que nos Estados Unidos e na Europa ganhara há muito um estatuto de maioridade, mas que em Portugal era ainda olhada (e ouvida...) de esguelha, como perigosa manifestação de subversão, caos e desarmonia.
            Seria fastidioso enumerar as personalidades famosas que requisitaram o cartão de sócio do Hot: João Abel Manta, José Cardoso Pires, Ernesto de Mello e Castro, Vasco Morgado, José Blanc de Portugal... E Catherine Deneuve, enquanto esteve a filmar em Portugal, em 1963. Mas foi também a música que se ouviu, e continua a ouvir, ao vivo e a horas tardias, na velha cave da Praça da Alegria, que ajudou a criar, primeiro, a reputação, depois o mito, do Hot Clube de Portugal.
            Por estas “jam sessions” passou gente célebre, nacional e estrangeira, a unir diferentes gerações no mesmo amor: José Luís Tinoco, Bernardo Moreira (atual presidente do Hot), Manuel Jorge Veloso, estes dois últimos fundadores do Quarteto do Hot Clube de Portugal, Rão Kyao, Marcos Resende, José Eduardo, António Pinho Vargas, Maria João, Carlos Martins, Carlos Barretto, Bernardo Sassetti... E, por vezes, quase “clandestinos”, mas ávidos de mais jazz e de novos encontros: Don Byas, Jasper Van T’hoff, Gordon Beck, Dexter Gordon, Gerry Mulligan...
            À entrada do novo milénio, chegado à meia idade, o Hot Clube de Portugal terá encontrado a sua velocidade de cruzeiro. O jazz tornou-se, também em Portugal, música “séria” e “aceitável”, passou a ser moda, sintoma de bom-gosto e de “abertura”. Alheio à mudança dos ventos, o Hot Clube continua a formar músicos e a incutir no público o gosto pelo jazz. Essa música que, para ser sentida, não pode ser ouvida na margem do rio, antes obriga a mergulhar na sua corrente.

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