SONS
sexta-feira, 20 de Junho 1997
PORTUGUESES
Sérgio Godinho
Domingo no Mundo
(8)
Ed. e distri. EMI-VC
“Domingo no Mundo”, sendo um
disco com peso de clássico, é, em paralelo, a derivação do seu autor para
formas de inovação, ao nível da composição e dos arranjos. A opção estética de
entregar os arranjos a outrem, abre, de forma talvez demasiado ostensiva, com a
batida “hip hop” de “Ser ou não ser”. Num total de onze temas, da
responsabilidade, entre outros, de Kalu, Manuel Faria, José Mário Branco, Tomás
Pimentel, Rádio Macau, Jorge Constante Pereira e João Aguardela, nenhum dá
parte de fraco. E pelo menos um deles entra diretamente para o grupo dos
“melhores de sempre”, o título tema, um fantástico arranjo de um Manuel Faria
“industrialista”, cujo refrão, cantado por Sérgio ao megafone, é um dos mais
pujantes e “catchy” que a música portuguesa nos ofereceu nos últimos anos. “Não
respire”, uma visão simultaneamente poética e crítica, sem ser moralista, do
fenómeno da toxicodependência, e “As armas do amor”, mostram o Sérgio Godinho
“rapper” e interventivo. O outro, intimista, surge em “Correio azul” e “Os
afectos”. “É a vida” (o que é, que se há-de fazer?), “vintage” Godinho, e
“Mesa”, surrealista no seu arranjo para metais de Tomás Pimentel, contrastam com
a interpretação “Faustiana” e opiácea de “Lamento de Rimbaud”. O lado populista
aflora em “Aguenta aí”, onde João Aguardela, dos Sitiados, encontrou o registo
certo de festa e mordacidade, com a cidade do Porto, “património mundial”, na
mira, e um violino de inclinações “cajun”. “Dias úteis”, em registo de fado,
pelo simples pormenor do disco de piano riscado, põe de novo em evidência a
capacidade inventiva de Manuel Faria, cada vez mais uma espécie de Brian Eno
português. Sérgio Godinho, esse, continua a ser um mágico das palavras.
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