11/10/2016

Bretanha sem bombarda no Festival Intercéltico do Porto

CULTURA
DOMINGO, 24 MAR 2002

Bretanha sem bombarda no Festival Intercéltico do Porto

13ª EDIÇÃO, APÓS UM ANO DE INTERRUPÇÃO

A Bretanha, mas não muito dos Kornog, encetou da melhor forma a 13ª edição do Festival Intercéltico do Porto, que hoje termina no Coliseu com os irlandeses De Danann

Foi reatada a tradição. Após um ano de interregno, o festival Intercéltico do Porto está de volta, no formato que tem sido habitual ao longo das suas últimas doze edições: três noites de palco principal; outras tantas madrugadas em recantos onde tem lugar o improviso e a boa música irrompe quando menos se espera. A confirmação, além do palco grande do Coliseu do Porto, onde os Kornog fizeram as honras da melhor música céltica, veio do bar do hotel Vila Galé, com bretões e espanhóis a proporcionarem uma grande sessão de música... irlandesa!
                Após uma primeira parte preenchida pelo grupo português Roldana Folk, os Kornog apresentaram-se pela primeira vez num palco nacional. Um escocês, Jamie McMenemy, residente há 25 anos na Bretanha, e três bretões genuínos, dos irredutíveis, Christian Lemaître, Jean-Michel Veillon e Nicolas Quemener, apresentaram um catálogo variado de música céltica, humor e algum virtuosismo.
                Tocaram todo o tempo sentados mas tal pose não obstou a que energia se fosse soltando, como uma barragem a abrir brechas. O recital só não descambou em bailarico (apesar de alguns ameaços, já na parte final...) provavelmente porque a complexidade dos compassos não deixou. Mas se a música quase sempre andou num novelo por vezes difícil de desembaraçar, não faltou o humor negro e surrealismo na forma como Lemaître e McMeney (este em versão bilingue, em francês e inglês) introduziam cada tema. Histórias de cabeças cortadas e de crianças esquartejadas e servidas aos pais em deliciosas empadas, intercaladas com explicações sobre como beber as chamadas "oreilles de bonhomme" (aguardente típica da Bretanha, parece que bastante alimentícia, dado que os músicos garantiram bebê-la todos os dias ao pequeno-almoço...) puseram toda a gente bem disposta e recetiva, digamos assim, a uma música que fez bem em não se deixar enredar na vontade, boa mas disléxica, das inevitáveis palminhas de acompanhamento.
                Nesse aspeto, os dois solistas dos Kornog, Lemaître, no violino, e Veillon, na flauta, não deram grandes chances. Complicaram o mais que puderam os "airs", "jijs", "gavottes", "dans fisel", "scottisches" e "strathspeys". Sem atropelos, a não ser na desbunda do encore, onde no afã da rapidez, o guitarrista acabou por ultrapassar sem fazer sinal os seus companheiros... Veillon, sobretudo ele, mostrou ser um flautista completo, quer em termos técnicos quer na elegância do estilo. Só foi pena não ter chegado a tocar bombarda, que está para a música bretã como a gaita-de-foles está para a música galega, o saxofone tenor para o jazz ou a guitarra elétrica para o rock.
                Excelentes no reportório instrumental - do "set" inicial de homenagem ao histórico mas hoje caquético Alan Stivell, ao passeio final pela Grécia e pela Sérvia, culminando em casa com um "an dro" reduzido à sua expressão mais simples, ainda assim insuficiente para tirar o público dos assentos... – os Kornog tiveram o ponto mais fraco nas baladas escocesas interpretadas por McMenemy. Também ele insistiu em dificultar ao máximo, exagerando nas ornamentações vocais, mas desse esforço acabou por resultar desequilíbrio e a sensação de algum despropósito.

Romper a monotonia com música irlandesa
Pesados os prós e os contras, o saldo foi, sem discussão, favorável aos Kornog, que mostraram estar ao nível de outras bandas bretãs que já passaram pelo Intercéltico, como os Skolvan, Strobinell, Gwendal, Barzaz e Trio Mollard-Pennen. O público, que praticamente encheu o Coliseu, teve a mesma opinião e aplaudiu de pé.
                Depois, quem se atreveu a enfrentar a noite, no bar, ao melhor estilo do filme "Casablanca", do hotel Vila Galé, foi recompensado. Não que música da banda alugada para preencher o serão, os Mamute, uma mistura engraçada de folclore português, folk rock dos anos 70 e uma versão de um tema dos Young Marble Giants, fosse capaz de estancar o ruído de fundo, mas porque o tal imprevisto aconteceu. O mesmo imprevisto de que têm sido feitas algumas das lendas do Intercéltico.
                Desta feita aconteceu quando dois irmãos espanhóis, um violinista e um flautista, ambos notáveis e anónimos, mais um inglês, Marten Bailey (faz presentemente parte dos Salamander, uma banda portuguesa sobre a qual falaremos em breve e que dará, estamos certos, que falar...) decidiram romper a monotonia com uma sessão imparável de música irlandesa. Entusiasmados, juntaram-se-lhes três dos elementos dos Kornog (só Lemaître ficou de fora) para uma "jam session" que só acabou quando a gerência do hotel achou já serem horas de ir toda a gente dormir. Para a cama já tinham ido mais cedo as duas gaitas-de-foles galegas que tentaram, em vão, juntar-se à festa. É que a pujança das ponteiras não deixava ouvir mais nada e os que já lá estavam jogavam na subtileza.
                No final do primeiro dia do Intercéltico, que hoje termina com um "set" em duas partes dos irlandeses De Danann, Avelino Tavares, da MC-Mundo da Canção, responsável pela organização do festival, era um homem feliz, até pela garantia dada pela Câmara Municipal do Porto, de que o Intercéltico do próximo ano irá ser "uma coisa em grande". O deste ano já começou a sê-lo.

Sem comentários: