CULTURA
SEXTA-FEIRA, 5 JULHO 2002
Cristina Branco, a descobridora
HOJE
E AMANHÃ NO TEATRO TIVOLI, EM LISBOA
É
fado. Não é fado. É a música de Cristina Branco, uma luz que se insinua
Cristina Branco irradia simpatia. Há uma
luminosidade que se desprende da forma simples e direta como fala e se entrega
ao instante. Luminosidade da voz e da música. "Corpo Iluminado",
álbum de 2001 desta "cantora de fados" (como gosta de se intitular),
nomeado para o Prémio José Afonso deste ano, representa um dos momentos de exceção
da nova geração de vozes femininas que trouxeram para o fado uma noção renovada
de rigor e transparência emocional.
Foi
o seu primeiro disco a ter distribuição portuguesa, pela Universal. O segundo é
"O Descobridor – Cristina Branco canta Slauerhoff" (Jan Jacob
Slauerhoff, poeta holandês amigo de Portugal, conhecedor de Fernando Pessoa, do
fado e da saudade, em quem Cristina descobriu parentesco espiritual), lançado
na Holanda há cerca de dois anos, mas só agora distribuído por cá.
Foi
na Holanda que Cristina Branco construiu os alicerces da sua carreira. Portugal
tem vindo a descobri-la aos poucos. Devagar. Hoje e amanhã, no Teatro Tivoli,
em Lisboa, haverá nova oportunidade para ver e ouvir ao vivo esta intérprete
para quem o fado é apenas uma divisória de uma casa maior.
O
próximo disco, já com o título escolhido de "Nu", incidirá sobre a
poesia erótica. Lá mais para a frente seguir-se-á outro, de música lusófona com
raízes em África. O fado dança no meio de tudo isto. Com as guitarras em fundo
a chorar – mas também se chora de alegria – o acompanhamento.
Crescimento
interior
Ao cabo de quatro álbuns de estúdio – antes
de "Corpo Iluminado", a cantora já lançara "Murmúrios" e
"Post-Scriptum", ambos premiados pelo "Le Monde de la Musique"
como melhores álbuns de "músicas tradicionais", respetivamente de
1999 e 2000 –, Cristina Branco considera estar "mais crescida, não só como
cantora mas também como pessoa". A tristeza de Slauerhoff não é a
"sua" tristeza, mas um sentimento observado e sentido à distância.
Como fazem os estetas.
"Cada
álbum, cada concerto, cada ano que passa, significa crescimento interior.
Aprendo montanhas de coisas de cada vez que enfrento o público, de cada vez que
enfrento a mesma música, mesmo depois de a ter cantado 20 vezes".
Cristina
Branco está certa. A vida é uma escola. Ou devia ser, porque quase todos se
recusam a aprender. Antes de ser escola é teatro. Depois de escola será templo.
É para lá que a música transporta os músicos que ousam navegar. Branco canta
luz. No Norte, na Holanda. No Sul, em Portugal. Públicos diferentes recebem
essa luz de maneiras diferentes. E reagem de modo diverso. "Talvez também
seja eu, a minha maneira de reagir a públicos diferentes... É mais fácil reagir
a um público estrangeiro do que a um público português. É limitativo ter um
público que fala e que percebe português à minha frente, não sei o que hei-de
dizer...".
Refere-se
ao que rodeia a música, às explicações em palco, ao espetáculo circundante. Ao
que não fazendo parte da música lhe é ritual exterior. "É a minha timidez.
Se falar em francês ou inglês cria-se uma barreira de proteção, que se torna
confortável...". Mal começa a cantar, porém, a música "afasta todos
os problemas".
Existe
um processo, um método em tudo isto. Uma estratégia de vida e uma ferramenta de
criação. Cristina Branco sorri mas receia, enfrenta mas esconde-se, como uma
ave que esvoaça à procura do beiral perfeito para se deixar estar. "O
estúdio é o momento de descoberta de mim própria e do que vou cantar. É lá que
absorvo a realidade da música composta pelo Custódio [NR: Custódio Castelo,
marido, guitarrista, compositor e arranjador de todos os seus discos], em que a
música se casa com o poema. Também um momento de dúvidas em que chego a pôr tudo
em causa".
Hoje
em dia já consegue controlar esses receios. Porque tudo "tomou entretanto
proporções diferentes". "A minha vida é isto", diz. A presente
entrevista teve como pano de fundo a música de "O Descobridor – Cristina Branco
Canta Slauerhoff". Um pouco a contragosto da cantora, que se considera a
si própria a sua crítica mais severa ("não gostava nada da minha zona
grave"...), mas também a mais sincera e entusiasta ("gosto da forma
como me entrego, da minha interpretação...).
Num
instante, porém, em que a atenção se desviou das palavras para a música, o
sorriso rasgou-se: "A voz, aqui, já gosto dela! Sou eu, é a minha
história."
Cristina Branco
LISBOA Teatro Tivoli.
Tel.: 213572025. Hoje e amanhã,
às 21h30. Bilhetes entre 14 e 22 euros.
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