SONS sexta-feira,
1 de Agosto de 1997
DISCOS
POP ROCK
Gota
de luz na escuridão
Howie B
Turn the Dark Off (6)
Polydor, distri. Polygram
Brian Eno
The Drop (8)
All Saints, distri. MVM
Brian Eno destila o silêncio do
mundo para o limpar. Howie B acrescenta-lhe ritmo para o fazer dançar. Mas se
em “The Drop” o mago e inventor da música ambiental soube aumentar o volume de
som e dar-lhe consistência, contrariando as emanações de perfume de “Neroli”,
editado há três anos, em “Turn the Dark Off”, Howie B deixou-se enredar nas
malhas de uma intransigência rítmica que não se adivinhava no anterior “Music
for Babies”.
Entendamo-nos de uma vez por todas:
a obra de Brian Eno – pelo menos aquela criada a partir do momento de
iluminação em que, estando imobilizado numa cama de hospital, descobriu que a
música nasce da harmonização dos ruídos exteriores com o ordenamento, mental e
emocional, que o sujeito lhes imprime – não é para ser ouvida na horizontal mas
sim na vertical. O que significa isto? Muito simplesmente que, se acompanharmos
um disco como “Thursday Afternoon”, “Neroli” ou os 33 minutos finais deste “The
Drop”, tentando descortinar-lhes uma orientação temática, a música soará,
inevitavelmente, como uma sucessão monótona de notas à deriva, num eterno fluxo
cíclico, sem princípio nem fim percetíveis. Esta é, de resto, uma das regras
básicas de conceito de música ambiental, onde se pede para não lhe prestarmos
atenção.
Mas, se nos detivermos num instante,
se formos capazes de isolar um pedaço do fluxo, verificamos que ele é como um
prisma refrator de luz. E perceberemos que em cada momento desta “corda” sonora
infinita se abrem altares para o céu, eixos de coincidência, onde a relação de
causa-efeito (um som precede e sucede a outro som, numa progressão programada
ou aleatória, pelo Tempo) cessa, para dar lugar a uma perceção extática dos
sons, onde tudo acontece, como num passe de magia, em simultâneo.
É aqui que as conceções musicais do
compositor se aproximam das técnicas rituais da música étnica, nas quais a
música funciona não só como elemento integrador, como também de ativador de
estados transcendentais da consciência, constituindo, ao mesmo tempo, como que
uma espécie de banda sonora do espírito. Neste sentido ainda se pode dizer que
se trata de uma música que, fazendo-se ouvir neste mundo, não lhe pertence.
“The Drop” é, contudo, mais urbano e
terreno nas suas premissas, aproximando-se quer do cassicismo flutuante das
colaborações de Eno com os Cluster, gravadas em pleno auge do punk, quer no
aproveitamento das estruturas rítmicas, não tanto de “Nerve Net” como,
principalmente, de um álbum premonitório, “Another Green World”. E é preciso
chegar aos tais 33 minutos do tema final, “Iced world”, para nos arrepiarmos,
talvez pela primeira vez, com a visão musical que Eno nos devolve. Neste caso a
paragem é paralisia, instantâneo gelado de um mundo aprisionado no seu próprio
movimento em torno das imagens, que é como quem diz, do vazio. Sobre um ritmo
imutável, tão discreto quanto irritante, desenham-se fraseados inacabados de
teclados enfermos, em fragmentos que eternamente se desfazem e recombinam,
quais peças de um Lego sem sentido. O autor, obviamente, escuda-se no humor: “É
o que se pode esperar de uma descrição simplificada do jazz moderno a alguém que
nunca ouviu falar dele, se esqueceu da maior parte do que ouviu, mas, mesmo
assim, tentou tocá-lo.”
O universo de Howie B, esse,
decresceu de intensidade, em comparação com a imponderabilidade aquática de
“Music for Babies”. B assimilou alguns dos conceitos sónicos de Eno
desviando-os para o universo da cultura negra e era esse cruzamento do
ambientalismo com o hip hop que, nesse álbum, dava um sentido novo e mais lato
à música de dança. Só que em “Turn the Dark Off” Howie B optou pelo reforço da
componente rítmica em detrimento do lado mais paisagístico da sua música. O
resultado saldou-se pela vulgarização, uma vez que, no capítulo das
programações, a inovação escasseou, amiúde tapando a riqueza tímbrica, que é
uma das mais-valias dos métodos de composição e gravação deste músico, que,
afinal, já trabalhou com o próprio Eno.
Repete-se o esquema dos vibrafones
em suspensão, contra a gravidade de um trip hop que, por vezes, adquire
atmosferas de música de circo. Uma
narrativa oblíqua assoma em “Take your partner by the hand”, o som ostenta a
boa velha espessura do analógico (há mesmo um solo que tira partido da mítica
sonoridade carnuda do LFO do sintetizador “Moog”), mas fica a sensação de um
acumulado de clichés. Se Howie B pretendeu fazer algo semelhante ao que os Daft
Punk fizeram com a “disco”, faltou-lhe o descaramento.
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