CULTURA
QUARTA-FEIRA,
26 JUNHO 2002
Pat Sounds
PAT METHENY AO VIVO NOS
COLISEUS DO PORTO E LISBOA
Guitarra de múltiplas vozes de Pat Metheny no regresso do músico
norte-americano a Portugal
Pat Metheny, um dos mais notáveis
guitarristas de jazz da atualidade, atua com o seu grupo, em Portugal, hoje à
noite, no Coliseu do Porto, e amanhã, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, num
regresso que assinala a apresentação do seu novo álbum, "Speaking of
Now".
Notável
guitarrista, nem sempre compositor irrepreensível, se levarmos em conta algumas
concessões discográficas que não fazem justiça ao grosso da sua obra,
maioritariamente registada nos anos 70 e 80 no selo ECM, Pat Metheny integra
uma geração de guitarristas com crescimento e aprendizagem feitos na ECM,
adepta do ambientalismo e do colorido tonal, juntamente com John Abercrombie,
Ralph Towner, Bill Frisell, Terje Rypdal e Steve Tibbetts, todos eles com um
olhar atento ao que se passa no rock. Alguns deles, como o próprio, com um pé
dentro dele.
Influenciado
pela limpidez discursiva de Wes Montgomery, Metheny iniciou a sua carreira em
1974, com 20 anos, ao lado do vibrafonista Gary Burton e, ao longo dessa década
e da seguinte, emancipou-se como solista, assinando álbuns de grande qualidade
como "Bright Size Life" (ao lado do falecido Jaco Pastorius),
"As Falls Wichita, so Falls Wichita Falls", "Offramp" e o
superlativo "80/81", duplo, com a companhia de Charlie Haden, Dewey
Redman, Jack DeJohnette e Mike Brecker, tornando-se, com Keith Jarrett, o artista
que mais discos vendeu da ECM.
Flirtou
fora do jazz com Joni Mitchell, somou à sua música a influência da
"country", em "American Garage", e estendeu as
possibilidades eletrónicas da sua guitarra, através do recurso à guitarra-sintetizador
e ao Synclavier. Desta época dourada, em que o jazz andou sempre de mãos dadas
com o conceito de fusão, resultaram outros álbuns de qualidade sempre acima da
média, como "Watercolours", "Pat Metheny Group", "New
Chautauqua", "Travels", "Rejoicing" (de parceria com
Charlie Haden e Billy Higgins) e "First Circle", derradeiro trabalho
para a editora de Manfred Eicher, numa veia latina que deixava antever as
linhas com que se coseria parte do seu futuro.
Enjoativo ou agradável?
Com a mudança de editora, da ECM para
a Geffen, dá-se início a um processo de cedências, iniciado com a banda sonora
de "The Falcon and the Snowman" (este para a EMI), que o levará ao
estrelato e à conquista de uma série de Grammys, num total de sete galardões.
Se alguns destes álbuns, como "Still Life (Talking)" e "Letter
from Home", representam o que de mais enjoativo (adjetivo que muitos
substituirão por "agradável") a sua guitarra pode destilar, a verdade
é que quem sabe não esquece e, mesmo nos anos das melodias do consenso, Metheny
saboreou o doce sabor do escândalo e da vingança, em "Song X" (1986),
de parceria com Ornette Coleman e, sobretudo, em "Zero Tolerance for
Silence" (1994), exercício de ruído radical, ao nível das sinfonias de
"white noise" de Glenn Branca, que pode ser considerado uma resposta,
ou reação, sarcástica ao som que o próprio guitarrista ajudou, durante anos, a
criar. Pela primeira e última vez na sua carreira, graças a esse álbum, o seu
nome foi mencionado nas revistas de "heavy metal"...
Da
obra recente do guitarrista, destacam-se ainda o dueto com David Bowie, no
"hit single" "This is not America" e, a fortalecer o elo de
ligação com o jazz que nunca quis romper, "Reunion", com Gary Burton,
"Question and Answer", com Dave Holland e Roy Haynes, "I Can See
your House from Here", em duo com John Scofield, e a participação em
"Parallel Realities", de Jack DeJohnette.
A
banda que acompanha Metheny nesta sua deslocação ao Porto e a Lisboa é composta
por Lyle Mays, seu companheiro de longa data, nos teclados, Steve Rodby, no
baixo, Richard Bona, na voz e percussão, Cuong Vu, no trompete, e Antonio
Sanchez, na percussão, formação que deixa antever a tónica na música latina.
Jazz no Cosmos
Pat Metheny ilustra (ou ilustrou…) de
forma exemplar uma visão contemplativa e universalizante da música de jazz na
qual alguns teóricos viram uma extensão, ou a ressurreição, do “cool” que
vingou nos EUA na transição da década de 40 para a seguinte, pela via do
visionarismo de um produtor, o alemão Manfred Eicher, que conseguiu edificar e
sustentar os parâmetros conceptuais, e a consequente tradução musical, de uma
forma de jazz alternativo perpendicular ao jazz de matriz negra nos “blues”.
Por oposição ao grito e à expressividade, idealmente inseparável de um contexto
de revolta social, do jazz dos negros que atravessou o século passado, de
Armstrong ao disparo fulminante do “free”, o “novo jazz” da ECM – cultivado por
Metheny e os restantes guitarristas atrás mencionados, parte de um contingente
de estetas que inclui Jan Garbarek, Eberhard Weber, Enrico Rava, Keith Jarrett,
Gary Burton, Chick Corea, John Surman, Dave Holland, Don Cherry e, mestre entre
os mestres, Paul Bley – procurou a introspeção e a dimensão mais “cósmica” do
jazz (mas não o mesmo cosmos de Sun Ra…), aproximando-se, nalguns casos, da
“new age” e da “world music” (o Jan Garbarek mais recente, Steve Tibbetts,
Shankar, Stephan Micus…). O jazz conquistara, para muitos, o seu céu. Para
outros, o inferno.
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