15/10/2016

Pat Sounds [Pat Metheny]

CULTURA
QUARTA-FEIRA, 26 JUNHO 2002

Pat Sounds

PAT METHENY AO VIVO NOS COLISEUS DO PORTO E LISBOA

Guitarra de múltiplas vozes de Pat Metheny no regresso do músico norte-americano a Portugal

Pat Metheny, um dos mais notáveis guitarristas de jazz da atualidade, atua com o seu grupo, em Portugal, hoje à noite, no Coliseu do Porto, e amanhã, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, num regresso que assinala a apresentação do seu novo álbum, "Speaking of Now".
                Notável guitarrista, nem sempre compositor irrepreensível, se levarmos em conta algumas concessões discográficas que não fazem justiça ao grosso da sua obra, maioritariamente registada nos anos 70 e 80 no selo ECM, Pat Metheny integra uma geração de guitarristas com crescimento e aprendizagem feitos na ECM, adepta do ambientalismo e do colorido tonal, juntamente com John Abercrombie, Ralph Towner, Bill Frisell, Terje Rypdal e Steve Tibbetts, todos eles com um olhar atento ao que se passa no rock. Alguns deles, como o próprio, com um pé dentro dele.
                Influenciado pela limpidez discursiva de Wes Montgomery, Metheny iniciou a sua carreira em 1974, com 20 anos, ao lado do vibrafonista Gary Burton e, ao longo dessa década e da seguinte, emancipou-se como solista, assinando álbuns de grande qualidade como "Bright Size Life" (ao lado do falecido Jaco Pastorius), "As Falls Wichita, so Falls Wichita Falls", "Offramp" e o superlativo "80/81", duplo, com a companhia de Charlie Haden, Dewey Redman, Jack DeJohnette e Mike Brecker, tornando-se, com Keith Jarrett, o artista que mais discos vendeu da ECM.
                Flirtou fora do jazz com Joni Mitchell, somou à sua música a influência da "country", em "American Garage", e estendeu as possibilidades eletrónicas da sua guitarra, através do recurso à guitarra-sintetizador e ao Synclavier. Desta época dourada, em que o jazz andou sempre de mãos dadas com o conceito de fusão, resultaram outros álbuns de qualidade sempre acima da média, como "Watercolours", "Pat Metheny Group", "New Chautauqua", "Travels", "Rejoicing" (de parceria com Charlie Haden e Billy Higgins) e "First Circle", derradeiro trabalho para a editora de Manfred Eicher, numa veia latina que deixava antever as linhas com que se coseria parte do seu futuro.

Enjoativo ou agradável?
Com a mudança de editora, da ECM para a Geffen, dá-se início a um processo de cedências, iniciado com a banda sonora de "The Falcon and the Snowman" (este para a EMI), que o levará ao estrelato e à conquista de uma série de Grammys, num total de sete galardões. Se alguns destes álbuns, como "Still Life (Talking)" e "Letter from Home", representam o que de mais enjoativo (adjetivo que muitos substituirão por "agradável") a sua guitarra pode destilar, a verdade é que quem sabe não esquece e, mesmo nos anos das melodias do consenso, Metheny saboreou o doce sabor do escândalo e da vingança, em "Song X" (1986), de parceria com Ornette Coleman e, sobretudo, em "Zero Tolerance for Silence" (1994), exercício de ruído radical, ao nível das sinfonias de "white noise" de Glenn Branca, que pode ser considerado uma resposta, ou reação, sarcástica ao som que o próprio guitarrista ajudou, durante anos, a criar. Pela primeira e última vez na sua carreira, graças a esse álbum, o seu nome foi mencionado nas revistas de "heavy metal"...
                Da obra recente do guitarrista, destacam-se ainda o dueto com David Bowie, no "hit single" "This is not America" e, a fortalecer o elo de ligação com o jazz que nunca quis romper, "Reunion", com Gary Burton, "Question and Answer", com Dave Holland e Roy Haynes, "I Can See your House from Here", em duo com John Scofield, e a participação em "Parallel Realities", de Jack DeJohnette.
                A banda que acompanha Metheny nesta sua deslocação ao Porto e a Lisboa é composta por Lyle Mays, seu companheiro de longa data, nos teclados, Steve Rodby, no baixo, Richard Bona, na voz e percussão, Cuong Vu, no trompete, e Antonio Sanchez, na percussão, formação que deixa antever a tónica na música latina.


Jazz no Cosmos

Pat Metheny ilustra (ou ilustrou…) de forma exemplar uma visão contemplativa e universalizante da música de jazz na qual alguns teóricos viram uma extensão, ou a ressurreição, do “cool” que vingou nos EUA na transição da década de 40 para a seguinte, pela via do visionarismo de um produtor, o alemão Manfred Eicher, que conseguiu edificar e sustentar os parâmetros conceptuais, e a consequente tradução musical, de uma forma de jazz alternativo perpendicular ao jazz de matriz negra nos “blues”. Por oposição ao grito e à expressividade, idealmente inseparável de um contexto de revolta social, do jazz dos negros que atravessou o século passado, de Armstrong ao disparo fulminante do “free”, o “novo jazz” da ECM – cultivado por Metheny e os restantes guitarristas atrás mencionados, parte de um contingente de estetas que inclui Jan Garbarek, Eberhard Weber, Enrico Rava, Keith Jarrett, Gary Burton, Chick Corea, John Surman, Dave Holland, Don Cherry e, mestre entre os mestres, Paul Bley – procurou a introspeção e a dimensão mais “cósmica” do jazz (mas não o mesmo cosmos de Sun Ra…), aproximando-se, nalguns casos, da “new age” e da “world music” (o Jan Garbarek mais recente, Steve Tibbetts, Shankar, Stephan Micus…). O jazz conquistara, para muitos, o seu céu. Para outros, o inferno.

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