CULTURA
DOMINGO, 28 ABR
2002
Peggy Lee
Morreu a voz dourada do swing
DESAPARECEU
AOS 81 ANOS
Peggy Lee, a voz mais loura da música popular do último século, calou-se.
Deixou um legado de ouro na área do jazz e dos blues ou simplesmente em baladas
como “He’s a tramp”. A sua voz tinha sensualidade e luz. O coração swingava
Foi na sua residência em Bel Air, Hollywood, onde vivia, que o
coração lhe parou. Aos 81 anos, Peggy Lee deixou de viver e de cantar o que, no
seu caso, eram sinónimos. Ficaram os mais de 40 álbuns que gravou entre 1949 e 1993
e clássicos como “Elmer’s tune”, “How deep is the ocean?”, “How long has this
been going on?”, “That old feeling”, “Fever” e, claro, “He’s a tramp”, da banda
sonora de “A Dama e o Vagabundo”, espalhado por todo o mundo nas asas da
animação de Disney.
Peggy Lee, de
seu verdadeiro nome Norma Deloris Egstrom, nasceu a 26 de Maio de 1920 em
Jamestown, no Dakota do Norte, EUA, neta de emigrantes escandinavos. Uma
infância infeliz — a mãe morreu quando ela tinha quatro anos, o pai bebia —
levou-a a trabalhar e a cantar desde muito cedo, principalmente em pequenas
estações de rádio locais. Foi numa delas, em Fargo, onde trabalhava como
empregada, que o director da emissora decidiu criar o nome artístico por que
passaria a ser conhecida: Peggy Lee.
Aos 17 anos
começou a viajar. Primeiro até à Califórnia. Mais tarde para Chicago onde, em
1941, integrou o grupo vocal The Four of Us. Foi um dos espetáculos com esta
formação, no Embassador West Hotel, que serviu de trampolim para a sua entrada
na orquestra de Benny Goodman, com a qual gravou “How deep is the ocean?”, “My
old flame” e “Why don’t you do right?”. Da orquestra do rei do swing aproveitou
ainda o guitarrista Dave Barbour, com quem viria a casar. Peggy deixou Goodman
em 1943 mas a sua estrela não deixou de brilhar. Nessa mesma década cantou na
rádio ao lado de Bing Crosby.
Nos anos 50
Peggy Lee deixou como marcas principais o álbum “Black Coffee” (1953) e o single
“Fever” (1958), um êxito de vendas coassinado pelo marido, de quem entretanto
já se divorciara. Jimmy Rowles, Marty Paich e George Shearing foram alguns dos
músicos de jazz que a acompanharam na década em que Peggy Lee trabalhou também
como atriz, em filmes como “The Jazz Singer” e “Pete Kelly’s Blues”, em cuja
banda sonora também participa Ella Fitzgerald, e em que chegou a ser nomeada para
o óscar de Melhor Actriz Secundária. Ainda no cinema, contribuiu com a
interpretação do título-tema de “Johnny Guitar” e escreveu canções para “Tom
Thumb”.
Mas seria o
cinema de animação, através das personagens criadas por Walt Disney para o clássico
“A Dama e o Vagabundo” (1955) a projetar o nome de Peggy Lee ainda mais longe. Nesse
filme Peggy Lee fez as vozes de gatos (um deles, por sinal, chamado Peg...) mas
o seu maior triunfo foi a canção “He’s a tramp” que se colou aos ouvidos de
milhões.
“Lover”, apesar
dos conflitos legais que rodearam a gravação (a companhia, então a Capitol, tentou
a todo o custo evitar a concorrência com uma versão já existente desta canção,
muito popular, de Les Paul), saldou-se noutro imenso sucesso, em grande parte
devido à orquestração da responsabilidade de Gordon Jenkins, cuja densidade
contrastava com a luminosidade e sensualidade vocais da cantora.
Os anos
seguinte confirmaram o seu estatuto de estrela, ainda que o reportório tendesse
a alimentar-se do passado. Já na década de 80, o espetáculo de genérico “Peg”,
uma tentativa de expandir este sucesso em show televisivo, fracassou. Também a
saúde começava a dar sinais de fracassar. A voz foi perdendo brilho. Em 1992,
já imobilizada numa cadeira de rodas, travou um último combate, contra o
império Disney, ao qual exigiu como pagamento para as seis canções e vozes de
personagens que fizera para o vídeo de “A Dama e o Vagabundo”, mais do que os
3,2 milhões de euros que o contrato estipulara para si.
Entretanto
deslizou para o mundo dos cabarés, aparecendo em 1993 em dueto com Gilbert O’Sullivan
no álbum deste último, “Sounds of the Loop”. Há três anos, uma primeira síncope
soou como antecipação do fim. Mas na sua voz jamais se apagará “That old
feeling” dos corações que dançam.
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